Yoga Vasishtha: Segunda Conversa

Quando a música anunciou a chegada de um novo amanhecer, Rama, junto a seu pai o rei e seus irmãos, voltou à assembleia. O bem aventurado Vasishtha disse:

“Oh Rama-ji, entende que este mundo é uma contínua ilusão alimentada por homens de natureza apaixonada ou indolente: eles são quem mantêm este edifício irreal, da mesma maneira que os pilares seguram uma construção.

O homem inteligente deve observar os fenómenos do mundo e, discernir neles o real do irreal, ater-se apenas à realidade. A mente é quem cria o mundo e o desintegra na sua própria imaginação. O melhor meio de preservar a mente da ilusão é, antes de tudo, conhecer os elementos desta sabedoria sagrada; depois, a pratica do humor estável e, por último, o convívio com homens bons, que conduz o espirito até à pureza. A mente penetrada de santidade e de humildade deve recorrer a mestres de Yoga que contem com a nossa benção e que estejam versados em filosofia. Graças aos seus ensinamentos, a mente chega a perceber, pelas suas próprias meditações, a presença de Deus em si mesma; e vê o universo desvendar-se perante ela como os claros raios da lua. O Espírito divino é imperecível e, quando se dá a conhecer à mente humana, deixa de subsistir até o último ápice de erro. Oh homens, desconhecendo o Espírito divino, Brahman, não fazeis mais que submeter vossas almas ao sofrimento e, por outro lado, conhecendo Brahman, alcançais a felicidade eterna e a serenidade.

Oh Rama-ji, entende que o Espírito vê-se tão pouco manchado pelo seu vestido externo como o céu pelas nuvens de pó. Por mais extensos que sejam, todos os fenómenos do mundo que percebemos ao nosso redor não são senão as ondas do oceano ilimitado do Espírito divino. Meditando sobre o Espírito supremo dentro de ti e contemplando-o à luz da tua pura buddhi, submergirás na glória de Brahman. Sê tolerante, calmo e de humor estável; mantêm-te ponderado, reservado em palavras e doce em tua mente, e sê como uma jóia preciosa que brilha com a sua luz interior. Ver-te-ás, assim, livre do tráfego febril desta vida mundanal.

Liberta-te do hábito dos teus desejos e limpa dos teus olhos o adorno da afeição ilusória. Deixa a tua mente satisfeita repousar no teu Atman e libertar-se das obsessivas inquietudes deste mundo.

Conhecendo a irrealidade do mundo, nenhum homem com sabedoria se deixa enganar pelos seus sempre mutáveis cenários.

O mestre Espíritual é quem, com a justiça da sua argumentação, desperta a mente indolente e dormente e quem, em seguida, instiga nela a palavra da verdade.

Primeiro servindo com diligência aos bons e compassivos gurus e depois graças ao raciocínio, os homens de intenção pura alcançam a luz da Verdade percebida como resplendor divino na sua mente. Chegam a ser como eu sou, oh Rama-ji.”

Perguntou Rama:

“Diz-me, oh Sábio de mente elevada, como pode a criação proceder do supremo Brahman, de quem disseste que está imóvel no vazio?”

Respondeu Vasishtha:

“Oh príncipe, a natureza de Brahman é de tal modo que todo poder procede incessantemente d´Ele: por isso diz-se que todo poder reside n´Ele. N´Ele estão a entidade e a não-entidade; n´Ele também estão a unidade, a dualidade e a pluralidade, assim como o princípio e o fim de todas as coisas.”

Disse Rama:

“Venerado Senhor, as tuas palavras são muito escuras e não consigo compreender o que dizes. Todo o que está produzido por algo é invariavelmente da mesma natureza que o seu produtor: a luz é produzida pela luz, o trigo pelo trigo e o homem nasce do homem. Logo, o criado pelo Espírito imutável deve ser também invariável e de natureza Espíritoal. Por outro lado, o Espírito inteligente de Deus é puro e imaculado, ao passo que a criação é impura e feita de matéria grosseira.”

Ao escutar estas palavras, disse o grande Sábio:

“Rama-ji, Brahman é todo pureza e não há impureza alguma n´Ele: as ondas que se movem na superfície podem ser fétidas, mas não contaminam as águas profundas.”

Replicou Rama:

“Senhor, Brahman está isento de sofrimento, enquanto que o mundo está cheio dele. Por isso não posso compreender-te quando dizes que este é uma produção de aquele.”

Perante estas palavras, o grande Sábio Vasishtha guardou silêncio. Fez para si mesmo a seguinte reflexão: Não é culpa do homem instruído duvidar de uma coisa enquanto não lhe tenha sido explicada de maneira satisfatória, como é o caso do príncipe Rama. Mas o homem instruído com meias verdades não está apto para receber um ensinamento Espiritual, já que a sua visão do mundo visível, circunscrita aos objectos imediatos, demonstra a causa da sua perdição.

Quem chega a contemplar a luz transcendente e vislumbra com claridade as verdades Espirituais, não sente o desejo de prazeres sensoriais; com o tempo, chega à conclusão de que Brahman é tudo em tudo.

O discípulo deve primeiro estar preparado e purificado pela meditação, piedade e prática de Yoga, assim como pelo exercício quotidiano da calma e autocontrole, e então se irá iniciando lentamente na convicção de Kham Brahman.

Disse então Vasishtha:

“Dir-te-ei, oh Rama, no final destas conversas, se o desejo dos corpos grosseiros pode ou não atribuir-se a Brahman. Neste momento, entende que Brahman é omnipotente, que penetra tudo e que Ele é todo Ele mesmo, da mesma maneira que os magos, mediante práticas diversas, produzem à vista das pessoas numerosas coisas que são irreais aparências.

Tudo o que se produz, com qualquer forma, em qualquer tempo ou em qualquer lugar, não é senão uma variação da Realidade Única que existe por Si mesma. Por isso, oh Rama, deverias maravilhar-te de cada mudança acontecida no tempo e no espaço, que está cheia do Espírito de Deus e ilustra o aspecto ilimitado do Infinito. A mente de aquele que em tudo vê Deus e permanece firme de carácter já não tem razão de flutuar segundo as variações da natureza ou das vicissitudes da sorte. O Senhor manifesta os poderes que residem n´Ele, como o mar manifesta as ondas sem sair de si mesmo.

A mente que é testemunha das verdades Espirituais e se estabelece em perfeita equanimidade sem ser afectada pelos acidentes exteriores, vislumbra que a luz da Verdade reside nela. Quando há uma lamparina, também há luz; e o sol radiante traz consigo o dia; onde há uma flor também há perfume; assim, onde está o Espírito vivo, está o conhecimento do mundo. O mundo que aparece ao seu redor é como a luz de Atman. As almas dos homens estão dotadas deste conhecimento desde que nascem. Depois, à medida que crescem, desligam-se durante o curso de tempo em forma deste amplo bosque que é o mundo.

Entende, oh Rama-ji, que mesmo que ao falar d´Ele se diga correntemente: “Tudo está criado por, ou tudo vem de Deus”, na realidade, no sentido Espiritual não é assim. Nenhuma mudança, nenhuma separação, nem nenhuma relação de espaço ou de tempo tem que ver com o Supremo, que é imutável, infinito e eterno; nem aparecimento ou desaparecimento algum Lhe concernem.

A mente, por ter nascido d´Ele, dispõe tanto do poder como da inteligência de Seu intelecto e, se se aplica com ardor, alcança a meta proposta.

Dizer que a chama de um fogo é produto de outra chama é um sofisma, e, uma asserção assim não contém a verdade. Não se trata de um produto, senão da mesma coisa. Pretender que um seja o produtor de outro é igualmente falso, dado que o Brahman único não pode, sendo infinito, produzir outra coisa que Ele mesmo. Brahman é o intelecto (buddhi). Brahman é a mente (manas). É a inteligência (chit). O universo inteiro é Brahman e, contudo, Ele está para além de tudo isso. Na realidade, o mundo é uma não-entidade, já que tudo é unicamente Brahman. Nada pode provar-se como absolutamente certo para além da existência de Brahman, e a santa Shruti declara: “De facto, tudo é Brahman.”

Prolongar-me-ei por completo sobre este tema, oh Rama, nas minhas últimas conversas; a tua mente deve progredir mais antes que possas compreendê-lo.

Como uma arma é esquivada por outra e uma forma de impureza pode ser apagada por outra, como um veneno elimina-se com outro, assim a abolição do conhecimento erróneo por um conhecimento superior traz a alegria à mente.

A existência do mundo depende de facto da existência do supremo Brahman; sabe-o e não te perguntes como, ou de onde, há chegado a existência.

Domina os teus desejos, oh Rama, e pratica a renúncia e o desapego. Serve todos os seres vivos; escuta os ensinamentos e sê simples de espírito. Não te pareças com aqueles que, presos na centuplicada armadilha de vãos desejos e submetendo-se às múltiplas formas das suas ânsias, passam de um corpo a outro, de encarnação em encarnação, como os pássaros voam de uma árvore para voltar a pousar noutra. Tenta desfazer-te de todo o desejo terreno, oh Rama, e consagra o teu coração ao santo Yoga.”

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