Yoga Vasishtha: Décima Terceira Conversa

Disse o bem aventurado Vasishtha:

«Suplicava um dia o bem aventurado sábio Bhushundi que nos dissesse como conseguia ele escapar das mãos da Morte enquanto que todas as demais criaturas do mundo estão condenadas a ser trituradas pelas mandíbulas que tudo devoram.

Respondeu Bhushundi:

‘Tu, Senhor, que tudo conheces, ainda queres que te diga o que sabes perfeitamente?

Uma pergunta assim, vinda do seu Mestre, enaltece teu servidor para falar, quando de outra maneira teria guardado silêncio.

A morte não destruirá o homem que não leve consigo as jóias de seus desejos corruptores, como um ladrão não matará um viajante que não adorne o seu pescoço com uma corrente de ouro precioso.

A morte não fará sua presa quem não esteja corrompido pelo veneno da cólera e da animosidade, aquele cujo coração não alimente o dragão da avareza e cuja mente não esteja corroída pela úlcera da inquietude.

A morte não mata aquele cujo corpo não está abrasado pela ardente paixão do apego, que, como um incêndio, consume o grão armazenado do bom sentido.

A morte não se aproxima do homem que põe a sua confiança no Espírito sem mancha e purificador de Deus e cuja mente repousa no seio da mente suprema.

Assim, a mente que descansa junto a seu Criador num inalterável estado de serenidade não pode ser alcançada pelos males e sofrimentos do mundo.

Quem tem a mente absorvida na santa meditação não dá nada nem nada recebe dos demais; jamais tenta repudiar o que tem nem conseguir o que não tem.

Aquele cuja mente tenha encontrado o repouso na santa meditação já não tem motivo pelo qual arrepender-se.

Eleva a tua mente por cima da multiplicidade das posses terrenas e estabelece-a na unidade do Espírito.

Dispõe o teu coração com vista a essa felicidade suprema que tão desejável é no principio como no final.

Fixa a tua mente em Brahman, que está além da nossa compreensão, luz santa, origem e fonte de todas as coisas em quem reside toda felicidade e de onde vem a ambrosia que alimenta as nossas almas.

Nada há tão belo nem durador nas esferas superiores e inferiores que nos envolvam como a paz imperturbável de uma mente concentrada em Deus.

Não é bom inquietar a mente com preocupações referentes aos diversos ramos do saber, e não é de nenhum proveito escravizá-la no serviço a outro quando ainda se desconhece a si mesmo e se ignora qual é o verdadeiro bem próprio.

A mera longevidade não é boa, se se está afligido pelas enfermidades e pesadumes da vida.

Posto que tudo é inconstante, inútil e irritante para os homens, o sábio vê que no há outra coisa que a Realidade Una, imperecível, situada além de todo o erro e que, ainda que presente em todas as partes, transcende o conhecimento de todas as coisas.

Atman é essa Essência e a meditação sobre ele é o único meio de anular toda a penalidade e todo padecimento. Apenas Ela destrói a visão errónea do mundo.

A contemplação divina desponta na atmosfera límpida de uma mente purificada como a luz do sol; dissipa a obscuridade da dor e do sofrimento, assim como a errónea ideia da dualidade.

A meditação divina na forma de So-Hum ou de Shivo-Hum não acompanhada de nenhum desejo nem preocupação egoísta, penetra como os raios da lua através da noite da ignorância. Apenas há um distante parecido entre essa luz espiritual e a luz intelectual dos filósofos.

Eu estou sempre em paz enquanto o meu pensamento segue o ritmo da minha respiração, e não me movo desta disposição mesmo que tombe o monte Meru junto a meus pés.

Desde o grande Dilúvio, a terra ressurgiu e voltou a afundar-se repetidas vezes e eu fui testemunha da submersão e emersão dos continentes sem que se visse afectada a minha paz nascida da realização de Deus.

Observo como a minha inspiração e expiração ocorrem, e contemplo a suprema excelência de Brahman, por quem permaneço satisfeito em mim e gozo da minha larga vida sem dor nem enfermidade.

Nunca aprovo nem desaprovo nenhum acto realizado por mim ou por outros, e esse desvinculamento de toda a preocupação conduziu-me a este feliz estado de longevidade despreocupada.

Libertei a minha mente, oh grande Muni, dos seus defeitos de inconstância e inútil curiosidade, e a estabeleci em Brahman por cima de toda a aflição e toda inquietude; tornou-se prudente, tranquila, serena e assim foi como consegui esta larga vida.

Não temo nem a morte nem a enfermidade nem a velhice e não me regozijo com a ideia de ganhar um império; este desapego é a causa da minha longevidade física.

Não considero ninguém, oh grande Sábio, amigo nem inimigo, e esta equanimidade é a causa da minha larga vida.

Observo toda a existência como reflexo de Brahman, existente por Si mesmo, que é tudo em tudo, e conheço o Si mesmo como Isso, So-Hum, e aí está a causa da minha larga vida, oh grande Rishi.

Jamais considero que este corpo físico seja o meu Atman, e a minha larga vida devo-a a esse supremo conhecimento.

Sou dono da minha mente até ao ponto em que nunca a deixo misturar-se nos assuntos do mundo, como tão pouco deixo que esses assuntos alcancem o meu coração, e isso é o que deu esta longevidade inesgotável.

Sou feliz com a aventura alheia, tento que desapareça o sofrimento de todos os seres, e este sentimento de simpatia universal com respeito à sorte dos meus irmãos tem me mantido vivo e jovem através dos tempos.

Na adversidade, fico imperturbável como uma rocha e na prosperidade, sou benévolo para com todos. Nem a pobreza nem a opulência me afectam, e essa firmeza de mente é a causa da minha inextinguível longevidade.

Tenho a firme convicção de ser essa Inteligência que se manifesta no universo, que reside em cima, nos céus, e em baixo, nos bosques; e essa convicção fez-me Dono da vida da morte.

Assim é, oh bem aventurado Sábio, como resido no cálice dos três mundos, como uma abelha habita no coração de uma flor de lótus, e sou conhecido em todo o mundo como o Sábio inmortal chamado Bhushundi.’

Respondi-lhe:

‘Oh venerável Senhor, dirigiste-me um discurso maravilhoso. Ao longo das minhas peregrinações através do mundo tenho sido testemunha da grandeza e da dignidade de deuses e sábios, mas não tinha visto um Sábio tão santo como tu. Eu te saúdo, oh conhecedor de Brahman!’»

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