O Porquê da Não Divisão - Paulo Vieira

A percepção do mundo surge com o despertar que acontece de manhã para muitos do seres vivos, pouco depois dos primeiros raios de luz surgirem. O planeta gira em torno do seu eixo e por isso a manhã vai dando a volta à Terra demorando aproximadamente vinte e quatro horas, acordando muitos dos seres do planeta à sua passagem.

O Homem é um dos milhares de milhões de seres que vivem neste sistema e o Sol é o seu regente. Todos os planetas deste sistema solar orbitam em torno do Sol e, ao que parece, a Terra é o único planeta que reúne as condições perfeitas para a existência de vida tal e qual a conhecemos.

Destes milhares de milhões de seres que constituem a Vida o Homem é o único com a capacidade de analisar o cosmos e a sua própria condição existencial e é também o único com a capacidade de formular leis e compilar informação de forma organizada, tendo desenvolvido durante milénios meios tecnológicos que permitem que essa informação seja usada universalmente para o proveito e desenvolvimento da sua própria espécie.

Várias doutrinas foram surgindo ao longo de milénios para poder explicar o Cosmos e toda a actividade subjacente à Vida. Vivemos com a constante presença do infinito no que respeita às dimensões ( espaço/tempo ) e no respeita ao próprio desenvolvimento da Vida, pois todos os dias surge uma nova espécie de ser vivo com a capacidade de originar uma infinitude de seres vivos semelhantes e com o potencial para evoluir e originar uma espécie diferente, espécie esta com a mesma capacidade de multiplicação e evolução que a anterior!

Graças à astronomia sabemos que existem milhares e milhares de galáxias com diferentes características, e que o espaço envolvente parece não ter fim.

Alguns minutos de reflexão sobre a realidade percepcionada são suficientes para despertar a curiosidade sobre a sua origem! Podemos inferir sobre os acontecimentos e sobre os factos que percepcionamos e ainda sobre o que poderá vir a acontecer, mas não temos capacidade de perceber a origem do Todo, é algo que nos transcende! A transcendência surge também quando o Homem se pergunta sobre a sua própria origem e se depara com a falta de conhecimento que a explique!

O Homem é um ser pertencente a esta Ordem Universal, logo não pode estar separado dela, e qualquer tentativa de explicar o contrário é uma perda de tempo.

Desta análise poderá surgir então a percepção ilusória de que existe um mundo exterior e um mundo interior, sendo o mundo exterior percepcionado por aquele que pensa ter um mundo interior.

Será assim?

O mundo existe e essa existência é detectada pelos órgãos dos sentidos ( pele, olhos, nariz, língua e ouvidos). Estes com a ajuda complementar do intelecto ( mente objectiva, memória e inteligência ) produzem conclusões que se manifestam na forma de ideias, emoções e sensações, podendo dar origem a acções propriamente ditas como por exemplo a acção de escrever.

A relação entre o aparente “mundo interior” e o aparente “mundo exterior” é regulada por processos que acontecem espontaneamente e de acordo com leis naturais. A sensação de fome surge sem aviso prévio assim como a sensação de sede. O sono faz-se notar por um bocejo e a digestão dos alimentos acontece naturalmente e sem influência do ser auto-consciente pertencente ao corpo onde tais fenómenos acontecem. Uma vez concluída a digestão, surge a necessidade de excreção dos elementos não digeridos e, mais uma vez este fenómeno acontece naturalmente. O mesmo acontece com a temperatura corporal, com o batimento cardíaco e com o fluxo dos pensamentos que acontecem com o seu ritmo próprio. Poderemos ainda inferir no inicio de uma corrida, que a temperatura do organismo tenderá a subir e o coração tenderá a aumentar o seu número de batimentos por minuto, mas não podemos afirmar com certeza o que irá suceder, pois não temos o domínio das diversas leis naturais que operam no cosmos.

As leis naturais existem neste grande organismo vivo do qual o ser humano faz parte que é a própria Vida! A Vida, por sua vez, surge inserida num Universo de infinitas possibilidades e isto é e será sempre um grande mistério.

Se o Homem e todos os seres vivos, bem como todos os objectos inanimados constituem esta Ordem Universal, ninguém está separado de coisa alguma e coisa alguma alguma vez se irá separar de alguém! Estamos todos, vivos ou não vivos juntos e no Cosmos!

Eventualmente o caro leitor, que se calhar até se encontra no outro lado do planeta, tem no corpo um átomo de hidrogénio que poderá ter milhares e milhares de anos de existência e ter já passado por muitos corpos ou estados, tendo sofrido até então inúmeras associações com diversos outros átomos. Esse átomo que estará certamente pronto para ter muitas mais associações, pode vir eventualmente a pertencer e este “meu” corpo num futuro mais ou menos imediato, dependendo do número de espirros que o caro leitor der e, obviamente dos ventos e marés que o poderão trazer até este lado do planeta, para que, através da inspiração ele possa permanecer algum tempo no “meu” corpo, até que decida viajar novamente.

Do todo nada se perde, aliás, se se perdesse alguma coisa deixaria de ser o todo e passaria a ser um pouco menos que o todo, o que não faz sentido.

Vejamos o seguinte exemplo:

Um bolo de bolacha é feito com bolachas entre outros constituintes. As bolachas são feitas com farinha, açúcar, sal e água. A farinha é feita de milho e trigo. O açúcar vem da cana de açúcar. O sal veio do mar. A água foi recolhida duma nascente. O bolo foi feito por um homem e será comido pelos seus filhos. Depois de o comer usam a energia que nele estava contida, obtida através do processo de digestão e absorção, tendo antes desfrutado do prazer proporcionado pela capacidade de saborear. Talvez no dia que se seguirá e fruto dessa energia absorvida, pai e filhos terão que defecar a quantidade de bolo que não foi digerida e absorvida, e nesse mesmo dia, possivelmente uma ou duas horas depois, terão que libertar alguma água através da urina. O comum e presente em todas estas situações é que nunca nada se perdeu! Os vários elementos, tais como a água, o sal, etc, existem, e nesta existência vão percorrendo diferentes estados, assumindo diversas formas, mas nunca, nunca deixaram de existir.

A simples análise deste exemplo poderá ser suficiente para reconhecer que as leis que regulam o Cosmos e a Vida não obedecem a uma outra e imaginária lei, surgida da falsa sensação de individualidade, que eventualmente reconhecerá um “ mundo interior” e um “mundo exterior”. Este mundo dito interior é, antes de mais, produto do mundo dito exterior que por sua vez não é exterior mas sim a realidade propriamente dita.

Pois se eu vejo uma amiga a passar no outro lado do jardim e ela vê-me deste lado, então, direi que ela faz parte do “meu mundo exterior” pois estou a vê-la, e eu faço parte do “mundo exterior dela” pois ela está a ver-me. No preciso momento em que a vejo reparo que começo a pensar nela e imediatamente surge o “meu mundo interior”, mundo este apenas conhecido para mim. O mesmo acontecerá com ela, que ao ver-me perceberá o surgir de recordações a meu respeito, recordações essas que formarão o “mundo interior dela”, mundo este apenas conhecido para ela. Seria assim se as recordações a meu respeito fossem realmente pertencentes a ela, mas na realidade as recordações, tal como vimos anteriormente, pertencem a esta Ordem Universal da qual a minha amiga inevitavelmente faz parte. O mesmo se passa com os “meus pensamentos” que surgem naturalmente e naturalmente partem e, que obviamente não são meus. O simples facto de eu ser o único a percepcioná-los não faz de mim o dono deles. A realidade é senhora de todos os acontecimentos, de toda a manifestação de toda a percepção. Tudo que surge, surge na realidade e nunca poderá surgir fora da realidade. A própria percepção da realidade surge na realidade o que nos leva às seguintes perguntas: - Quando surge a realidade? ; - O que é a realidade? ; - Será a realidade real?

Acho que todos percebemos que uma parede de granito é dura e real, e a prova disso aconteceu em criança e manifestou-se na forma de um hematoma.

Analisemos o conceito “parede de granito”:
Parede é um conceito, que sugere à mente e à memória uma forma. A parede pressupõe um material constituinte para que possa ser erguida e desempenhar as funções inerentes ao próprio conceito. Parede sem material constituinte apenas é um conceito mental e abstracto sem manifestação visível e prática na realidade, sem a capacidade de desempenhar as finalidades para as quais foi criada.

Granito é também um conceito que sugere à memória e à mente objectiva uma rocha. Sugere também um conjunto de materiais como o quartzo, feldspato e mica. O quartzo por sua vez é um mineral ( sílica ) constituído por moléculas que são constituídas por átomos, que por sua vez são constituídos por elementos mais pequenos ainda, alguns dos quais estão em constante movimento orbital. Os átomos, encerram uma quantidade enorme de energia e por isso, muita da energia eléctrica hoje usada é proveniente da energia nuclear. O quartzo é então uma quantidade enorme de moléculas de sílica com uma infindável quantidade de átomos que por sua vez são constituídos também por electrões que estão em constante movimento. O mesmo acontece com os restantes materiais que constituem o granito. O granito é então uma massa de átomos de diferentes elementos cujos electrões giram incessantemente produzindo campos electromagnéticos. Para uma criança de seis anos o granito representa apenas uma rocha enquanto que para um físico representa muito mais do que uma simples rocha. A realidade é a mesma e percepcionada de formas diferentes em função do conhecimento que se tem da mesma. Este conhecimento acabará por ser sempre relativo e superficial, pois as partes constituintes da realidade podem ser divididas vezes e vezes sem conta, e obteremos então novos conceitos, conceitos estes sujeitos a análises semelhantes à que foi feita com o granito. O que é a realidade então? A realidade é sem dúvida muito diferente da percepção que temos dela e isto é um facto, e, como já foi dito, a própria percepção faz parte da realidade.

Quanto tempo durará uma parede de granito? A resposta é difícil mas duas coisas são certas: o granito transformar-se-á em areia e a parede deixará de existir.

A realidade aparente é a realidade das formas, e a realidade permanente é que todas as formas são impermanentes. Podemos então dizer que na realidade coisas se formam, se sustentam e se transformam, obedecendo a princípios ou leis aparentemente permanentes e que constituem a própria transformação.

Surge então o conceito de tempo, conceito abstracto e produto da mente humana que memoriza um passado e estabelece uma relação entre vários passados memorizados, ou então que imagina um futuro e o relaciona com outros possíveis e imaginários futuros.

O que quer aconteça só pode acontecer agora! Nenhuma célula se multiplica ontem, nenhuma parede existe amanhã. Poderei imaginar que a parede existirá amanhã, mas na realidade a parede só existe agora. Poderei lembrar-me que a célula se dividiu ontem, mas na realidade ela só tem a possibilidade de se dividir agora. E o simples facto de eu poder imaginar a existência da parede amanhã só é possível porque a imagino agora! Só há um tempo, AGORA! Nada acontece fora deste momento, o que quer dizer que no universo inteiro tudo acontece agora. Se tudo o que acontece, acontece agora, então o Agora e a Realidade são sinónimos, são exactamente o mesmo e a única coisa que existe. A realidade da realidade é o surgimento da própria realidade que acontece no único e perpétuo momento que é o Agora. Na realidade, ou melhor no Agora, somos todos o Universo que se manifesta num único tempo ou momento, e que se perpétua, dando origem ao conceito de eternidade. Este momento perpétuo que é o Cosmos e que é o que sou, é um momento auto-consciente, auto-evidente e sempre presente, e cuja manifestação se encontra presa no Agora. O que sou é o que é, este momento perpétuo que une tudo o que existe, onde a consciência se manifesta pela própria auto-evidência, que não é nada mais do que a eternidade deste único momento, o Agora.

Reproduzido com a permissão do autor (Paulo Vieira) para www.YogaVaidika.com. Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

Comentários

  1. Paulinho Paulinho, grande maroto.... a escrever textos de grande qualidade... muito bom... gostei muito... continua a dar-lhe mano!!!

    Aquele abraço

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  2. Oi Gus!

    Claro que pode usar meus textos em seu blog ;-)

    Fique a vontade! Para mim será um prazer.

    Estou aguardando o Dr. Ruguê voltar da Índia para poder te dar mais informações ok?

    Om Shanti!

    Fe

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  3. Paulinho........ que bonito, que bom, que...
    Grande beijo, gabyh.

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