Sri Ganesha - Felipe Patto

Sri Ganesha, amado Senhor da Sabedoria e da Prosperidade e Removedor dos Obstáculos. Dizemos Sri, Shri, Shree ou Siri (pronuncia-se xirí), radical que ao longo dos tempos foi assimilado por nossas culturas como uma referência respeitosa ao nome que se segue, algo como Lord ou Senhor. Sri já foi o nome da Deusa da Abundância e da Beleza Lakshmi e também um dos muitos nomes de Ganesha. Alguns estudiosos dizem que a palavra sri significa "fortuna". Talvez o termo Senhor seja pouco para designar o maior de todos os Deuses, mas se pensarmos em Sri como abundância, prosperidade, beleza e fortuna estaremos chegando perto do todo que Ganesha representa para a Humanidade. Esta pluraridade sobre sua figura, seus nomes e significados são parte da beleza que vi tão presente na cultura da India. Minha paixão por Ganesha, que hoje se expressa em Amor e Devoção, deve remontar a muitas vidas, mas as lembranças que trago mais conscientes vêm de minha primeira infância.

Gostaria de compartilhar nesta página um pouco do que sei e sinto sobre Sri Ganesha com aqueles que encontram em seus corações a mesma afinidade e gratidão que sinto por ele. Uma parte do texto a seguir, que descreve a iconografia de Ganesha, é do autor indiano Nitin Kumar. Inserções de textos e imagens receberão, sempre que possível, referências e créditos de autoria, para valorizar o trabalho de seus autores e ajudar os interessados no propósito de aprofundar seus estudos sobre essa figura magnífica. Contribuições serão sempre bem-vindas. Tentarei publicar neste espaço tudo aquilo de belo e útil que eu receber sobre este nosso amado protetor. Jaya Ganesha!

A amada Divindade com face de elefante, popularmente conhecida como Ganesha, tem intrigado pensadores de todo o mundo, através das eras até os dias de hoje. Os textos sagrados do Hinduísmo trazem uma variedade de histórias narrando a sequência do nascimento de Ganesha. A mais popular delas conta que Ganesha foi criado pela Deusa Parvati como um guardião de sua privacidade.

Incomodada pela recusa de seu marido em respeitar sua privacidade, ao ponto de entrar em seus aposentos privados mesmo quando ela tomova seus banhos, Parvati decidiu resolver o assunto de uma vez por todas. Um dia, pouco antes de se dirigir ao banho, ela se esfregou, retirando a pasta de sândalo de seu corpo e, a partir dela, criou a imagem de um pequeno menino. Ela conferiu vida à imagem, lhe disse que era seu filho e que deveria guardar a entrada dos aposentos, enquanto ela se banhava.

Pouco depois, Shiva (Senhor da Destruição e marido de Parvati), veio para vê-la, mas o jovem rapaz bloqueou seu caminho e não permitiu que ele entrasse. Shiva, sem ter ciência de que o garoto era seu filho, ficou furioso e em grande cólera lutou com o pequeno que, após resistir bravamente ao mais temido dos Deuses, teve sua cabeça decepada de seu corpo na terrível batalha.

Parvati, retornando de seu banho, viu seu filho sem cabeça e caiu em prantos. Mas logo que entendeu o ocorrido pela presença de Shiva, ameaçou em sua ira destruir os céus e a terra, tão grande era seu pesar.

Shiva a acalmou e ordenou a seus seguidores (conhecidos como ganas) que trouxessem a cabeça do primeiro ser vivo que encontrassem dormindo na posição errada - para os hindus a posição mais auspiciosa para o sono é com a coroa (topo da cabeça) voltada para o Norte. A primeira criatura que eles encontraram foi um filhote de elefante, que dormia com a cabeça voltada para o Sul, encaixado em sua mãe. Eles cortaram sua cabeça e a levaram até Shiva, que a colocou sobre o corpo do filho de Parvati e soprou a vida para dentro dele. Então, cheia de felicidade, Parvati abraçou seu filho.

O filho de Parvati foi chamado de Ganesha por Shiva. A palavra Ganesha é formada por gana (seguidores de Shiva) e isha (Senhor); dessa forma Shiva o nomeou Senhor de todos os ganas.

Ganesha é usualmente representado em pinturas e esculturas com o corpo de um homem e a cabeça de um elefante, com apenas uma presa de marfim, a outra se apresentando quebrada. Seu atributo peculiar, além da cabeça de elefante, é uma grande barriga, praticamente caindo por sobre seus trajes inferiores. No peito, atravessando seu ombro esquerdo, está seu cordão sagrado, geralmente na forma de uma cobra. O veículo de Ganesha é um rato, usualmente visto prestando reverência a seu senhor.

De acordo com as estritas regras da iconografia Hindu, representações de Ganesha com apenas dois braços são tabu. Portanto, imagens de Ganesha são mais comumente representadas com quatro braços, o que denota sua dividade. Algumas representações podem aparecer com seis, outras com oito ou ainda dez, doze e quatorze mãos, cada uma segurando um símbolo que difere dos símbolos em outras mãos. De acordo com as descobertas dos estudiosos, podem ser cerca de cinquenta e sete diferentes símbolos.

Os atributos físicos de Ganesha são em si ricos em simbolismo. Ele é geralmente mostrado com uma mão em abhaya (mudra ou gesto de proteção e refúgio) e a outra segurando um doce típico indiano chamado modaka, simbolizando a doçura do eu interior realizado. Nas duas mãos postadas atrás de si, Ganesha pode segurar uma ankusha (aguilhão ou espora para elefante) e uma pasha (laço). O laço serve para nos lembrar que os apegos e desejos mundanos são como um nó que nos prende. O aguilhão é para cutucar os homens de volta ao caminho da retidão e da verdade. Com seu aguilhão Ganesha pode tanto golpear como afastar os obstáculos.

Sua barriga arredondada significa a generosidade da Natureza e também que Ganesha engole o sofrimento do Universo e protege o mundo.

A imagem de Ganesha é um composto de quatro animais: o homem, o elefante, a serpente e o rato contribuem para formar sua figura. Todos, individualmete e coletivamente, têm profundo significado simbólico. A imagem de Ganesha portanto representa o eterno esforço do homem em direção à integração com a Natureza. Deve ser interpretada levando em consideração o fato de que, apesar de milênios terem se passado, o homem ainda permanece muito próximo ao animal, talvez mais hoje do que jamais tenha sido.

O mais impressionante atributo de Ganesha é sua cabeça de elefante, símbolo de auspiciosidade, força e proeza intelectual. Todas as qualidades do elefante estão contidas na forma de Ganpati. O elefante é o maior e mais forte dos animais da floresta. Ainda assim é gentil e vegetariano, de forma que não precisa matar para comer. Ele é muito carinhoso e leal a seu tratador, sendo facilmente manejado se amor e delicadeza forem concedidos a ele. Ganesha, apesar de ser uma deidade poderosa, é também amoroso e cheio de perdão, movido pela afeição de seus devotos. Mas ao mesmo tempo, o elefante pode destruir toda a floresta e se torna um exército de um "homem" só quando provocado. Ganesha é analogamente o mais poderoso e pode ser brutal quando refreando o Mal.

Mais uma vez, a grande cabeça de Ganesha é simbólica da sabedoria do elefante. Suas grandes orelhas, como o bater de asas, separam o Mal do Bem. Embora elas ouçam a tudo, retêm apenas aquilo que é bom; são atentas a todos os pedidos feitos por seus devotos, sejam humildes ou poderosos.

A tromba de Ganesha é um símbolo de seu discernimento (viveka), a mais importante qualidade necessária para o progresso espiritual. O elefante usa sua tromba para derrubar uma árvore maciça, carregar grandes toras até o rio e para outras tarefas pesadas. A mesma tromba enorme é usada para apanhar pequenos talos de grama, para quebrar um pequeno côco, remover a dura casca de uma noz e comer seu interior suave. As maiores e mais diminutas tarefas estão ao alcance dessa tromba, que simboliza o intelecto de Ganesha e seu grande poder de discriminação.

Um aspecto intrigante da iconografia de Ganesha é sua presa quebrada, que lhe infere o apelido de Ekadantha, Ek significando "um" e Dantha significando "dente". Entre muitas outras, há uma lenda interessante relacionada a esse atributo:

Quando Parashurama, um dos discípulos favoritos de Shiva, veio visitá-lo, encontrou Ganesha guardando os aposentos internos de Shiva. Como seu pai estava adormecido, Ganesha se opos à entrada de Parashurama. Parashurama todavia tentou forçar sua entrada e ambos vieram a brigar. Ganesha teve uma vantagem inicial, agarrando Parashurama em sua tromba, lhe dando um forte giro que o deixou tonto e sem sentidos. Ao se recuperar, Rama arremesou seu machado em Ganesha, que o reconheceu como uma das armas de seu pai (Shiva havia presenteado Parashurama com ele). Ganesha o recebeu com toda reverência sobre uma de suas presas, que foi imediatamente arrancada. Desde então ele tem apenas uma delas.

Uma outra lenda narra que Ganesha recebeu um pedido para registrar o épico Mahabharata, ditado a ele por seu autor, o sábio Vyasa. Entendendo a enormidade e importância desta tarefa, Ganesha percebeu a inadequação de uma pena comum para escrever tal preciosidade. Ele então quebrou uma de suas presas e fez uma "pena" com ela. A lição aqui oferecida é que nenhum sacrifício é grande o suficiente na busca pela sabedoria.

Um antigo drama sânscrito, intitulado Shishupalvadha, traz ainda uma versão diferente. Aqui é dito que Ganesha foi desprovido de sua presa pelo arrogante Ravana (o vilão do Ramayana), que a removeu forçosamente, para produzir brincos de marfim para a beldades de Lanka!

O pequeno rato no qual Ganesha supostamente monta é outro atributo enigmático de sua iconografia. À primeira vista parece um pouco estranho que o Senhor da Sabedoria tenha recebido um humilde rato serviçal, quase incapaz de levantar a barriga saliente e a pesada cabeça que ele possui. Mas ele lembra que sabedoria é um atributo de um horrível conglomerado de fatores e além disso o sábio não vê nada no mundo que seja desproporcional ou feio.

O rato é, com todo respeito, comparado ao intelecto. Ele é capaz de se esgueirar escondido, sem nosso conhecimento por lugares que nós não pensaríamos que seria possível penetrar. Fazendo isso, ele está pouco preocupado se está buscando a virtude ou o vício. O rato representa então nossos devaneios, nossa mente desobediente, atraída por indesejadas ou corrompidas razões. Ao mostrar o rato prestando subserviência ao Senhor Ganesha, implica-se que o intelecto tenha sido domado pelo grande poder de discernimento de Ganesha.

Qualquer tentativa de penetrar as profundezas do fenômeno de Ganesha deve notar que ele é nascido da Deusa Parvati apenas, sem a intervenção de seu marido Shiva, e como tal, ele compartilha uma relação muito única e especial com sua mãe. A natureza sensível de seu relacionamento com Parvati é amplamente esclarecida no seguinte conto:

Como criança, Ganesha provocou um gato puxando seu rabo, enrolando-o no chão e lhe causando grande dor, como os garotos levados costumam fazer. Depois de algum tempo, cansado de brincar, ele foi até sua mãe Parvati. Ele à encontrou em grande sofrimento, coberta de arranhões e poeira. Quando ele a questionou, ela se pôs a censurá-lo. Lhe contou que ela era o gato que Ganesha estava maltratando.

Sua total devoção à sua mãe é a razão pela qual Ganesha é representado como um solteiro celibatário, na tradição do Sul da Índia. É dito que ele sentiu que sua mãe, Parvati, era a mais bela e perfeita mulher do Universo. "Tragam-me uma mulher tão bela quanto ela e eu me casarei", disse ele. Ninguém pode achar beleza igual a de Uma (Parvati), e então a lenda se perpetua, a busca ainda continua...

Em contradição à tradição do Sul da Índia, no Norte Ganesha é frequentemente mostrado casado com as duas filhas de Brahma (o Senhor da Criação), chamadas Buddhi e Siddhi. Metaforicamente Buddhi significa sabedoria e Siddhi realização, iluminação. Nos princípios do Yoga, Buddhi e Siddhi representam as correntes feminina e masculina no corpo humano. Nas artes plásticas este aspecto de Ganesha é representado com graça e charme.

Em uma versão diferente, levemente erótica, do pensamento Tântrico, Ganesha é definido em uma forma conhecida por "Shakti Ganpati". Aqui ele aparece com quatro braços, dois deles segurando utensílios simbólicos. Com os outros dois braços ele acaricia sua consorte, que está confortavelmente equilibrada em sua coxa esquerda. O terceiro-olho nessa representação, é certamente o olhar da sabedoria, que vê acima e além da mera realidade material.

Nenhuma análise do Senhor Ganesha pode ser concluída sem mencionar a sílaba mística AUM. O sagrado AUM é o mais poderoso símbolo universal da divina presença no pensamento Hindu. É tido como o som gerado quando o mundo veio à existência. A manifestação escrita deste símbolo divino, quando invertida, nos dá o perfil perfeito do Deus com cabeça de elefante.

Ganesha é o único Deus associado em um sentido "físico" com o sagrado som primordial AUM, um lembrete vivo de sua suprema posição no panteão Hindu.

Retirado de www.sriganesha.com.br/sriganesha.htm com a permissão do autor. Felipe é terapeuta ayurvédico com formação em Ayurveda pela Escola Yoga Brahma Vidya. Especializações e certificações pela International Academy of Ayurveda e pela School of Ayurveda and Panchakarma, ambas na Índia. Professor de Medicina Tradicional Indiana. Imagem de topo de autoria de Celine, usada sob licença creative commons.

Comentários

  1. Olá Gustavo!!

    Muito obrigada pelo seu comentario sobre iluminação. Gostaria de publicá-lo como post no meu blog... Posso?

    namaste!

    Mariana

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  2. Olá Gustavo! Obrigado pelas tuas palavras sobre o ásana na árvore:)
    Aqui te deixo um Mahabraço!

    OM SRI GANESHA NAMAH

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  3. Por engano penso que o comentário anterior segiu anónimo...

    OM SRI GANESHA NAMAH

    até Balsamão!

    Henrique

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