Sobre Amor e Afecto/Felicidade e Liberdade (parte2) - Paulo Vieira

O bebé cresce e torna-se criança, crescer é um processo de aprendizagem incrivelmente complexo e demorado. Neste processo de experimentação da realidade, que dura toda a vida, o ser humano procura sempre a felicidade e foge sempre da infelicidade, e esta característica parece estar presente em todos os animais, que evitam a todo o custo qualquer tipo de sofrimento!

Uma das provas da procura da felicidade no que diz respeito às crianças, é que as elas adoram brincar. Adoram brincar porque a brincadeira é das formas de experienciar a realidade que mais alegria trás. As crianças, dizem os adultos, são a alegria da casa. Elas emanam vida e alegria e a energia delas parece não ter fim. É que elas estão quase sempre a brincar! Sem dúvida, ser criança toda a vida é um desafio e algo raro de se ver, mas ainda encontramos pessoas com o mesmo grau de entusiasmo que muitas crianças, e essas pessoas são certamente alegres.

A brincadeira e o consequente riso são a forma mais fácil de dois seres humanos se conhecerem e estabelecerem laços de afecto, significa isto que todos querem ser aceites como são, e para isso usam a brincadeira. Fazer rir o outro é uma forma de conseguir aceitação, logo de ganhar afecto e é por isso que muitas pessoas brincam quando conhecem alguém. As crianças não gostam de adultos sérios e carrancudos e tendem a ficar com má impressão destes. Quando brincamos com as crianças elas tomam-nos como amigos e depressa as conquistamos, ou melhor, depressa elas nos conquistam, e desta mútua conquista surge a amizade e também surgem demonstrações de afecto.

Parece que com o afecto a sensação de incompletude se esvai. Algo muda nesse momento em que uma palavra doce ou uma carícia acontecem. O afecto parece aproximar os seres e fazer surgir amor. O amor parece originar acções de afecto que por sua vez parecem aproximar os seres.

A fase da adolescência é característica por ser de grandes mudanças. A inocência de criança dá lugar à irreverência típica da juventude, e nesta fase começam a maior parte dos conflitos e os primeiros problemas existenciais, problemas estes que são agravados pela sensação de individualidade. Nesta fase o jovem já se consegue por no lugar do outro facilmente, percebe o que o motiva e o que motiva o próximo, e isto revela que a sensação de “eu” já está muito presente. Associada a esta sensação de “eu” está o aumento da procura de realização de desejos, desejos estes que estão associados a arquétipos comportamentais muito variados e que denotam os primeiros sinais da luta pela independência. O jovem escolhe um estilo de vestuário e um corte de cabelo. Escolhe pertencer a um determinado grupo de amigos com características específicas que lhe agradam. O jovem é deparado com a possibilidade de muitas escolhas e sabe que a sua aceitação pelos demais jovens depende dessas escolhas. É um período duro para muitos, em que o processo para ser aceite é uma autêntica batalha.

Aliada à sensação de “eu”, que se vai enraizando na juventude, surge também no jovem a necessidade de ser aceite como individuo.

As hormonas sexuais surgem e trazem consigo todas as mudanças que caracterizam a adolescência e depressa surge a procura de apaziguar esse efervescer. Surge nesta fase a vontade de procurar um parceiro do sexo oposto, para dar continuidade ao processo de experimentação e reforçar a sensação de indivíduo. O jovem afirma-se também pela sexualidade.

Esta necessidade de experimentar a realidade existirá sempre e manifestar-se-á de diferentes formas e de acordo com o desenvolvimento psicológico do ser humano. Á medida que o indivíduo vai amadurecendo, os desejos e as escolhas dos objectos experienciados vão mudando. O que dava prazer na infância cessa de dar prazer na adolescência e aparentemente acontece o mesmo em adultos e idosos.

A conquista de um parceiro ou parceira sexual é consumada e esse desejo é realizado. A experiência de uma relação amorosa é importantíssima para o desenvolvimento dos jovens. Aqui acontece a descoberta de algo maravilhoso e que irá permanecer para o resto da vida, o prazer do acto de fazer amor. A sensação de se ser pleno é intensa no acto de fazer amor, e o afecto experimentado dá a sensação de totalidade. A sensação de individualidade que outrora surgira na afirmação da sexualidade é paradoxalmente anulada com a ausência do “eu”, que acontece com a sensação experimentada por breves momentos no clímax do acto de amar. É por isso que o acto de fazer amor é descrito por muitos como a melhor experiência de todas as experiências. Elas esquecem-se delas mesmas, esquecem-se desse “eu”, que trás muitas das vezes insatisfação e mau estar!

Ao que parece a sensação de “eu” está na origem de todos os desejos e os desejos são para serem realizados, desde que não prejudiquem terceiros. Qualquer ser humano deste planeta vive em função dos seus desejos. Mesmo que um monge renuncie à vida em sociedade, também esse é um desejo, o da renúncia! Mesmo que ele queira renunciar a todos os desejos, também esse é um desejo, e diga-se, bem difícil! Pode ser que ele renuncie ao sexo e ironicamente todos os seus sonhos sejam sobre aventuras sexuais com mulheres! Ele renuncia ao sexo mas não renuncia ao prazer que dele vem, pois isso será muito difícil, tendo em conta que quando sonhamos experienciamos uma realidade muito particular, que é a realidade sonhada! Sonhando com prazer experienciamos prazer! Sonhando com dor experienciamos dor! Já todos um dia sonhamos que voávamos e a até o vento se fazia sentir e ouvir, e que belas viagens eram!

O desejo de afecto é dos desejos mais presentes e dos que mais frustração origina quando não é realizado! É também o desejo que quando realizado mais facilmente nos descontrai, mais facilmente nos põe bem dispostos e vejam por exemplo do efeito de uma bela e completa massagem, ou então o exemplo do efeito de um abraço sentido, ou o exemplo de uma paixão ou amor correspondido.

Os jovens percebem que através da sexualidade e do afecto se sentem melhor e aparentemente mais felizes. Sentem-se mais realizados pois essa vontade quase instintiva que é querer fazer amor foi cedida, foi experimentada. O conhecimento que resulta dessa experiência perdura por toda a vida, e a necessidade de afecto vai manifestando-se de diferentes formas. Os bebés precisam do afecto dos pais, as crianças precisam do afecto dos pais, da restante família e dos amigos, os jovens precisam do afecto dos pais, da restante família, dos amigos e das namoradas ou namorados, os adultos precisam do afecto dos pais, da restante família, dos amigos, da esposa ou marido e dos colegas de profissão, os pais precisam destes afectos todos acrescidos do afecto dos filhos, os avós precisam também destes afectos todos acrescidos dos netos, e claro está que os bisavós precisam do afecto dos bisnetos, netos, filhos, restante família e amigos. Quanto maior a idade, aparentemente maior é a necessidade da variedade da origem dos afectos, pois as relações interpessoais vão-se tecendo e constituindo uma rede de pessoas, uma rede de afectos. Esta rede bem real é uma forma de cada elemento dessa rede se sentir em segurança. Todas as pessoas recorrem a um amigo ou familiar, ou mesmo à namorada ou esposa, ou ao pai ou à mãe quando se sentem desamparadas para assim obter algum conforto e afecto. Muitas das vezes as pessoas querem apenas atenção, muitas das vezes as pessoas querem ouvir palavras doces e confortáveis, muitas das vezes as pessoas querem ser compreendidas nos seus pontos de vista, e na grande maior parte dos casos procuram apenas “recarregar-se com energia positiva”. O afecto faz com que haja uma carga de “energia positiva” em quem recebe e em quem dá. Não importa a forma em que ele se expressa, poderá ser através de palavras, acções ou emoções, poderá expressar-se de muitas formas, convencionais ou não, trará sempre um certo bem-estar.

Mais acima no texto explicámos a necessidade e o desejo de afecto nos bebés e nas mães, nas crianças e nos jovens. Também os adultos têm esse desejo e é por isso que muitos deles se casam, procurando no casamento essa fonte de afecto permanente e duradoura, quem sabe até ao fim da vida. A vida em família, numa situação dita normal, é supostamente rica em afecto, afecto este que deverá inundar o lar e preencher saudavelmente os corações de todos os membros. O que todos os seres humanos procuram numa família é simplesmente segurança, conforto e afecto, e quando estes estão assegurados a possibilidade de se obter bem-estar é bem real. O homem é naturalmente um ser predisposto à vida familiar, tanto é assim que a sociedade pode ser vista como uma grande família.

As pessoas pertencem a uma grande família que é a sociedade, e dentro desta pertencem a uma família típica, da qual herdaram o respectivo código genético. Com duas famílias assim as razões são mais do que suficientes para que haja segurança, conforto e bem-estar! Mas parece que isso não acontece e mais ainda, está longe de acontecer! Por mais amigos, familiares, mestres, bens acumulados, saúde, conforto e segurança continuaremos a poder não sentir felicidade. Este facto é do conhecimento de todos e todos estamos cansados de saber que a felicidade não vem de fora. Vimos mais acima no texto que os afectos vêm de fora e que de certa forma tornam as pessoas mais alegres, seguras, enfim, mais aceites. A grande maior parte dos seres humanos deseja receber afecto, e acima de tudo deseja que esse afecto venha de alguém por quem também sinta afecto. Quanto maior é o afecto entre dois seres, maior será o prazer que tiram da partilha desse afecto. Se por acaso um deles deixar de sentir afecto e perder o interesse em dá-lo ao outro, este último, que tanto deseja esse afecto, sofrerá muito e procurará recebe-lo de qualquer forma, podendo usar muito inteligentemente a dádiva de mais afecto para poder receber algum de volta, por pouco que seja. Todas as pessoas, de uma ou outra forma, já passaram pela experiência de serem rejeitadas. Quando esta situação acontece surge desconforto, mau estar e ninguém a procura repetir. É da natureza das relações afectivas que elas terminem, poderão durar muito ou pouco tempo, mas certo é que terminam, logo o afecto que se recebe também terminará. Por outro lado quando se recebe afecto de alguém menos querido, alguém por quem não se sente tanto afecto, o prazer daí retirado parece ser muito menor, ou mesmo inexistente e poderá causar em alguns casos repulsa. É estranha esta relação, a de que quanto mais afecto dois seres têm entre si, maior é o prazer que retiram da troca de afecto. Conforto, afecto e segurança são necessários para vivermos, mas não são necessários à felicidade. Esta última frase poderá ser controversa mas se for bem analisada dará origem à conclusão de que a felicidade é um estado interior inabalável e independente de situações externas.

A felicidade é quase sempre, se não sempre confundida com prazer, e na realidade são palavras com significados bem distintos. Tal como disse atrás no texto, as pessoas pensam que felicidade vai e vem, e já vimos que isso não faz sentido nenhum, o que vai e vem é o prazer e o desprazer. Este vir do prazer gera uma certa satisfação sensorial e por consequência um apego, que se fará sentir quando o prazer partir e der origem ao desprazer de não poder continuar a obter satisfação sensorial. Este processo é rotineiro e gera padrões de pensamento/acção mecânicos que prendem a maior parte dos seres humanos, restringindo-lhes a liberdade de poderem escolher, pois são sempre empurrados para situações prazerosas. A felicidade está intimamente ligada à liberdade e esta última existe para ser usada na acção de pensar, sentir e agir. Pensar de forma programada é estar preso a conceitos rígidos, logo é estar preso a sentimentos repetitivos e em última consequência estar preso a acções e aos seus resultados.

O mundo em que todos vivemos é tudo menos rígido, o mundo em que vivemos é tão livre que a própria vida é um acto de criação e cada ser vivo é diferente do anterior, não existindo dois iguais. A maior prova de liberdade que temos é que a vida é criativa. A vida é um génio da criação. Todo o cosmos é um processo criativo em que cada momento é diferente do anterior. A felicidade está então intimamente ligada à liberdade que por sua vez está intimamente ligada á criatividade. É muito importante perceber estas duas amigas, a liberdade e a criatividade, pois elas são irmãs da felicidade. As pessoas devem fazer amizade com a criatividade e então surgirá de certeza a liberdade, e uma vez que estas duas surjam, a felicidade apresentar-se-á. Ser feliz é algo que está ao alcance de todos aqueles que acreditarem que o podem ser para sempre e agora.

Os seres humanos podem libertar-se dos apegos gerados pela satisfação dos mais variados desejos e ainda assim continuar a satisfazê-los. A compreensão profunda do processo de se ficar apegado, por exemplo à comida, ao sexo, a uma relação afectiva, ou à vida gera um conhecimento libertador, criando assim uma nova forma de pensar, de sentir e de agir que nos trará a verdadeira felicidade. A felicidade é o que somos se percebermos que somos livres, se percebermos profundamente que somos seres criativos. Fruto dessa criatividade sonhamos e realizamos, fruto dessa criatividade pensamos e agimos! Os seres humanos ambicionam ser livres no pensar, ambicionam ser livres no agir e ambicionam ser felizes no sentir. Quando digo livres no pensar, digo que não sejam prisioneiros de pensamentos indesejáveis, pensamentos inconvenientes, ou se os tiverem, sejam livres para os aceitarem.

Pensar é um acto divino e como tal é uma acção muito importante que deverá ser feita em consciência. Pensar com consciência de que se pensa é ter consciência no pensar, e isto trará um conhecimento profundo do processo de pensar e sentir. Este conhecimento profundo do processo do pensamento é o primeiro passo em direcção é criatividade. As pessoas poderão criar novos padrões de pensamento ao testemunharem e quebrarem padrões que não lhes convêm, que não as fazem nem saudáveis nem alegres. Ao quebrarmos com hábitos profundos somos simultaneamente criativos e livres, libertamo-nos da prisão das rotinas de pensamento/acção prejudiciais e criamos rotinas de pensamento/acção benéficas. Construiremos o caminho interior que fará desaparecer por completo a causa da infelicidade e como consequência, uma nova visão do caminho exterior se apresentará, uma visão de um oceano de infinitas possibilidades surgirá. Seremos senhores das nossas escolhas, estaremos plenamente conscientes de cada momento, estaremos sempre em comunhão com o divino num jogo de amor criativo, num jogo de profunda felicidade em que a água desse oceano é pura liberdade.

Reproduzido com a permissão do autor (Paulo Vieira) para www.YogaVaidika.com. Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

Comentários

  1. Namaste Gustavo,

    Que presente lindo que vc me deu!

    Eu simplesmente adoro as ilustrações da revista Prana Yoga Journal!! Vou fazer um lindo post.

    ;-)

    Om Shanti!

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