Pūjā - Fernando Liguori

A forma mais comum de adoração hindu, seja tântrica ou purânica, é o pūjā. Na Índia, a forma mais comum de pūjā é celebrada em honra a Gaṇeśa, o Deus com cabeça de elefante que remove todos os obstáculos permitindo que todas as formas de adoração alcancem seu sucesso. Da mesma maneira, existem inúmeras maneiras distintas de se executar um pūjā para as deidades.

Um pūjā simples envolve o oferecimento de cinco elementos para as deidades. Eles são: a fragrância de algum óleo (para o elemento terra); flores (para o éter); incenso (para o ar); uma flama como uma lamparina a base de ghee (para o fogo); e algum alimento líquido (para água). A estátua da deidade pode ser banhada em várias substâncias como água, leite, iogurte, ghee ou caldo de cana. Ela pode ser ornada com uma guirlanda de flores ou vestida.

Havendo na casa um altar com alguma estátua ou imagem da deidade a ser adorada, incenso deve ser oferecido ou uma flama deve ser queimada diante dela de forma regular. Isso irá criar uma campo psíquico favorável e um espaço sagrado para meditação. Para se oferecer o fogo, é melhor que se queime um óleo nutritivo como ghee ou sésamo para as luzes do pūjā no altar, nunca velas de parafina, pois elas são feitas a base de petróleo, uma substância que não deve ser utilizada como oferenda para nutrir a forma sutil de nenhuma deidade. Portanto, oferecer frutas ou algum alimento líquido como leite ou mingau de arroz é muito mais auspicioso, pela mesma razão. As formas sutis ou astrais das deidades devem ser alimentadas para que possam sustentar seu contato com o mundo físico.

O pūjā envolve um procedimento ritualístico denominado prāṇaprathiṣṭha. É o ato de se infundir vida (prāṇa) na imagem. Sem energizar a imagem com a energia da vida, amor e consciência, ela será apenas um objeto inerte. Pūjā é a ciência de se energizar objetos materiais com energias sutis, conectando assim a realidade física com a profunda realidade espiritual. Não é simplesmente a adoração de meros objetos tidos como divinos.

Prāṇaprathiṣṭha é um procedimento ritualístico de imposição de poder ou sacralização de um upacāra, i.e. algum objeto a ser utilizado no pūjā ou em outras práticas espirituais. Por exemplo, ele pode ser feito sobre o mālā do sādhaka. Para tal, o prāṇaprathiṣṭha deve ser executado antes da primeira vez em que o mālā será utilizado e depois periodicamente para mantê-lo com a vibração sutil do sādhaka.

O procedimento é feito colocando-se o mālā sobre um pano branco ou amarelo aberto sobre o altar. O sādhaka senta-se em vajrāsana frente ao altar e por algum tempo sente o prāṇa vibrando em suas mãos. Nesta etapa, o sādhaka deve visualizar o prāṇa energizando suas mãos. Quando a concentração é profunda, a sensação é de um leve formigamento nas mãos. Em seguida, faz-se a purificação do fogo (nīrājana), passando a lamparina três vezes sobre o mālā entoando o mantra hrīṁ. Depois, inspirando e expirando (samavṛti prāṇāyāma), com a mão receptora recebe o alento sutil (prāṇa), transferindo-o com a mão doadora para o mālā que então estará sendo consagrado. Após este procedimento, o mālā pode ser utilizado de acordo com sua finalidade.

Após a consagração, os objetos infundidos de poder devem ser considerados sagrados, portanto, guardados e usados com respeito.

Homa

A fórmula padrão de adoração védica, que possui implicações tanto externas quanto internas, é denominada homa ou oferenda ao fogo. Esta oferenda ao fogo foi incorporada nos rituais tântricos, tanto hindus quanto budistas. O homa é uma cerimônia mais formal que o próprio pūjā em si e, segundo a tradição, tem mais poder para neutralizar as forças negativas assim como para aumentar as forças positivas, criando um vórtice de energia grande o suficiente para gerar uma egrégora quando realizado com freqüência. Sua execução requer mais atenção e preparação, por esta razão ele é muitas vezes executado em ocasiões especiais. Contudo, existe uma forma mais simplificada de se praticar o homa, chamada agnihotra, que também é uma oferenda ao fogo. É a cerimônia de purificação da atmosfera através do fogo especialmente preparado.[1] Comumente, esta cerimônia é executada diariamente no nascer e pôr-do-sol e da lua. Se as condições forem propícias para sua prática diária, pelo menos uma vez na semana ela deve ser executada.

O alimento para o homa inclui esterco de vaca, madeira de tipo especial, grão de arroz, ghee (manteiga clarificada), bolinhos doces, sálvia seca e resina de cânfora. O fogo retira a essência sutil das oferendas e as transmite para a deidade. Junto com a oferenda, o fogo conduz os nossos pensamentos e desejos. Se oferecemos pensamentos positivos ao fogo, como o desejo pela paz universal, ele os fortalece e os amplia. Se oferecemos pensamentos negativos, como medo ou ódio, ele ajuda a queimá-los.

Existe uma prática familiar muito conhecida aos adeptos do Śrī Vidyā chamada Homa Devī. É muito simples de ser executada e os upacāras necessários são:

· uma imagem de Devī;
· um pequeno pote de barro com 15 cm de diâmetro;
· uma concha pequena;
· resina de cânfora, sálvia seca, bolinhos doces;
· ghee (uma garrafa apenas para rituais);
· pétalas de flores vermelhas ou rosas;

Segundo as instruções dos ācāryas (mestres), esta prática é melhor executada ao ar livre. Os locais mais auspiciosos para se dispor das cinzas são perto de algum rio ou mar, mas também podem ser depositadas em jardins ou vasos de plantas. As instruções para prática são como seguem:

De frente para o altar (de preferência para o leste), coloque uma bandeja com todos os ingredientes e utensílios. No altar, a imagem de Devī deve estar claramente exposta. Derrame dentro do pote um pouco de combustível para o fogo e o ascenda. Com a mão direita, use a concha para derramar o ghee e as pétalas no fogo. Deixe o combustível queimar completamente. Enquanto a oferenda é consumida pelo fogo, olhe diretamente para imagem de Devī e recite seu mantra. Concentre-se naquilo que deseja dela. Você saberá quando ela estiver satisfeita com seus esforços.

O mantra é definido pela natureza da imagem que escolher. Por exemplo, o bījamantra Hrīṁ é o som-semente de invocação a Ādi-Śakti em qualquer um de seus múltiplos aspectos, principalmente como Tripuraśundarī ou Bhuvaneśvarī. Hrīṁ é o mantra da beleza Divina, da descida da graça, purificação e transformação. O mantra Oṁ Śrī Devī Ma possui a finalidade de invocar a Deusa sob o aspecto de Mãe Universal. Sua vocalização ajuda a resgatar as lembranças maternas e sua intuição, o poder divino que existe em todas as mulheres e que serve de instrumento de cura para todos os aspectos internos e externos.

Um outro mantra muito utilizado é o de Camunda, a forma feroz de Kālī, provinda da história de Devī Mahātmya: Oṁ Aim Hrīṁ Klīṁ Cāmuṇḍāyai Vicche Svāhāḥ.

Este mantra consiste da Palavra Suprema Oṁ seguida pelos mantras da sabedoria, Sarasvatī (aim), purificação, Pārvatī (hrīṁ) e transformação, Kālī (klīṁ). Svāhāḥ consome a oferenda a Camunda, pois ele é um mantra de consagração ao Divino, principalmente no que concerne ao fogo interno ou espiritual da consciência. Svāhāḥ também está associado ao poder feminino do Deus Agni e é utilizado muitas vezes como fechamento de mantras dedicados à Devī. Vicche significa cortar, no sentido em que ele corta a cabeça do demônio – conforme apresentado na história –, i.e. corta a cabeça do ego.

Esta cerimônia começa com o mantra de limpeza e proteção Hrīṁ Hūṁ Phaṭ. Hūṁ está associado ao Senhor Śiva. É o mantra da fúria Divina e da proteção, assim como do conhecimento e do poder perceptivo. Phaṭ é um astra-bīja de proteção que destrói todos os obstáculos e energias negativas.

Nota:

[1] Agnihotra é um processo bioenergético de eliminação das condições tóxicas da atmosfera, através da ação do fogo. Implica na utilização do fogo como um mediador para curar e reparar a atmosfera. Atharva-Veda diz que quando as condições não são adequadas em função da contaminação da atmosfera, a coesão atômica é perdida e os átomos começam a fundir-se de um modo inadequado. Uma civilização pode assim ser destruída, e esta destruição tem início na mente realimentada pelas suas próprias toxinas.

Retirado de Śrīkulācāra e republicado em www.yogavaidika.com com a permissão do autor (Fernando Liguori - Anuttara Kulācārya). Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

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