Entrevista a Dr. Sandeep Shirvalkar

Dr. Sandeep Shirvalkar é licenciado (B.A.M.S.) em Medicina Ayurvédica pela Tilak Maharastra University em Pune, Índia, onde conseguiu os títulos de M.D. em Medicina Ayurvédica e Cirurgia e, posteriormente, em dietética. Tem especialidade em ervanária e é perito em diagnóstico do pulso, Purvakarma, Terapia Pañcakarma e Dietética Ayurvédica.
 É professor de pós-graduação e director assistente em preparação de medicamentos e ensina herbologia na Internacional Ayurvedic Academy. Segue abaixo, uma entrevista que nos concedeu em Novembro de 2009.

Yoga Vaidika – Doutor Sandep, como e quando “chegou” no Āyurveda e, também, porquê a escolha do Āyurveda?

Dr. Sandeep – Basicamente, a minha jornada em direção ao Āyurveda começou em 1991, após ter completado o 12º ano de escolaridade. Nessa altura, tinha 18 anos e a ambição de ser médico. O meu tio é cirurgião alopático, e, por um lado, ele é também o meu guru. Ele tinha uma visão muito ampla das ciência médicas e estava muito consciente dos benefícios do Āyurveda naqueles tempos. Eu estava a pensar qual o ramo que eu deveria escolher. A maior parte das pessoas escolhe Alopatia, depois Āyurveda, Homeopatia e outras ciências. Assim, depois de conversar com a minha família e o meu tio escolhi aprender a ciência do Āyurveda para meu próprio benefício e benefício dos outros.

YV – Como define Āyurveda?

DS – Em poucas palavras, o significado de Āyurveda é āyus e veda. Veda significa ciência e āyus vida, ou seja, a ciência da vida. Diz-nos, não apenas como curar a doença, mas, também, como evitá-la. A ciência da prevenção e da cura é Āyurveda.

YV – Qual é a fonte do Āyurveda, de onde surge?

DS – Se consultarmos a história cultural indiana descobrimos que vem da ciência indiana antiga, dos Vedas, da literatura védica. De entre os quatro Vedas, existe um chamado Atharva Veda do qual o Āyurveda é um ramo. Data de 5000 a.C. e alguma da literatura básica data de 2.000 a.C., como Suśruta Saṃhitā e Caraka Saṃhitā. Apesar de ser uma ciência antiga, nem uma única lei mudou durante estes anos, o que significa que, nos dias de hoje, ainda está actualizada.

YV – Quais são os benefícios do Āyurveda?

DS – Estamos a tornarmo-nos mais civilizados. Estamos a encurtar os nossos orgãos dos sentidos. Estamos a tornarmo-nos materialistas. Podemos dizer, resumidamente, que toda a gente quer uma casa maior, um carro melhor e retirar qualquer esforço da nossa vida. É o que se vê mais nos países ocidentais. No nosso dia-a-dia podemos usar umas dicas. Āyurveda proporciona um enorme benefício em termos de equilibrar a nossa vida. Ao sobrevalorizar o aspeto material estamos a cansar demasiado a nossa mente e a criar stress, tensões e ansiedades. Primeiro, devemos aprender como nos relacionarmos com esse aspeto sem nos perdermos, sem perder a paz mental que tínhamos antigamente. E isso é, julgo eu, o mais importante que podemos retirar do Āyurveda, introduzindo apenas algumas alterações no nosso estilo de vida e alimentação.

YV – Qual a relação entre Yoga e Āyurveda?

DS – Yoga é um ramo do Āyurveda. Podemos dizer que é uma das ciências de cura relacionadas especialmente com os aspetos físico e mental. Não apenas de uma forma medicinal mas, também, em termos de purificação e exercícios físicos para mantermos um equilíbrio psicológico. Não está separado do Āyurveda e a sua prática é, inclusive, sugerida pelo Āyurveda. Por isso, podemos dizer, claro que o Yoga é um modo de vida proposto pelo Āyurveda. Assim, se conhecermos algo sobre o grande mestre de Yoga, ācārya ou guru, Patañjali percebemos que ele está relacionado com estas ciências védicas, que, por sua vez, estão diretamente relacionas com o Āyurveda. Não devemos nunca separá-las.

YV – Qual é a sua perspetiva em relação a outras ciências de cura como a Alopatia ou a Medicina Tradicional Chinesa, por exemplo?

DS – Todas as ciências são importantes. O objetivo de todas as ciências é curar. São todas corretas e muito boas. Assim, é necessário escolher a ciência que melhor serve a pessoa, quer seja Alopatia, Homeopatia, Chinesa ou, claro, Āyurveda, naquele momento particular. Não culpem a ciência mas a forma como escolhem a ciência. É necessário acreditar e perceber que cada ciência está a fazer um esforço para beneficiar a vida humana.

YV – Āyurveda fala-nos sobre guṇas e doṣas. Pode esclarecer-nos sobre isso?

DS – A tradução de guṇas é qualidades e doṣas significa humores ou, como costumo dizer, energias. Todos temos essas energias em relação aos elementos, em resposta à natureza. Qualquer que seja a nossa constituição genética reagimos em relação à natureza e condições naturais. As pessoas reagem de maneira diferente a diferentes condições e estímulos que dependem das nossas energias, e, essas energias chamam-se doṣas. Essas energias são vāta, pitta e kapha. Todos temos estas três energias. Resumidamente, vāta é a energia de movimento, pitta é a energia de metabolismo e kapha é a energia de coesão. Quando estas energias funcionam em conjunto a vida humana decorre muito facilmente. Precisamos de algum tipo de movimento, quer seja psicológico quer seja físico e, para isso, precisamos de energia que vem do metabolismo, daí que necessitamos da energia do metabolismo. Em seguida, é necessário manter estas duas energias juntas através da energia de coesão. Dependendo da percentagem destas três energias, reagimos ou agimos de acordo com as nossas tendências naturais. Cada energia tem guṇas ou qualidades diferentes. Por exemplo, a energia de vāta é seca, leve e móvel, sempre em movimento; a energia de pitta está ligado ao fogo, por isso, é sempre quente, aguçada; e a energia de kapha tem qualidade como estabilidade, peso. Dependendo das nossas qualidades, exprimimos as nossas energias. Assim, não podemos separar as energias das qualidades. Construímos estas energias em relação às qualidades.
Co-relacionamos isto com os cinco elementos, terra, água, fogo, ar e éter, que estão ordenados do mais pesado ao mais leve. Fogo é quente, terra é pesada e fria, água é móvel e fria, ar é leve e seco e éter é muito leve, subtil. Tudo neste universo é feito destes cinco elementos e tem determinadas qualidades. Daí que, qualquer alimento ou material que ingerimos, digerimos ou assimilamos será transformado nestas energias, significando que estamos a usar estas qualidades da natureza nos nossos corpos e estamos a aumentar ou diminuir estas qualidades no metabolismo. Assim, se uma qualidade é aumentada, esse tipo de energia aumenta no nosso corpo. Por isso, dizemos que esta transformação dos elementos é a conjunção básica entre o universo e vida humana. Isto não é mais que um jogo entre os cinco elementos, os doṣas e as qualidades.

YV – Como se processa a cura?

DS – A cura Ayurvédica divide-se em duas parte: primeiro, prevenir a doença e, depois, caso haja uma doença, curá-la. Dessa forma, deverão seguir-se os regimes diários e sazonais. Os regimes diários são feitos para que tudo na nossa vida aumente o nosso poder imunológico para que estejamos a cuidar do corpo e da mente no dia-a-dia. Os regimes sazonais dependem da variação das estações do ano, a dieta e a rotina diária deverão ser adaptados ao longo do ano. Assim, acordar cedo, fazer a higiene diária, praticar yoga, exercício, meditação e trabalhar concede uma boa estabilidade que afasta as doenças. Ou seja, não acumular toxinas no nosso corpo, não dar uma oportunidade para que a doença se desenvolva a partir dessas toxinas e manter o corpo e a mente saudáveis.
Existem outros dois tipos de tratamento de cura, um paliativo e outro de purificação. O tratamento paliativo, normalmente, fornece regimes típicos de alimentação, algumas mudanças ou variações sobre a ingestão de alimentos e a utilização de medicamentos específicos ou suplementos à base de ervas que não perturbam a fisiologia normal e, assim, corrigimos as desordens metabólicas devido a toxinas. Para o tratamento de purificação, dependendo das perturbações nos níveis energéticos concebemos cinco procedimentos principais, e outros procedimentos suplementares, chamados pañcakarma. As toxinas produzem doenças e devem ser eliminadas e a este processo chamamos purificação. Em relação a toxinas do tipo vāta, pitta ou kapha temos procedimentos de purificação principais. Para a purificação de vāta usamos enemas, como decocção para limpar as toxinas de vāta; para a purificação das toxinas de kapha usamos o vómito com uma medicação típica; para a purificação das toxinas de pitta usamos a purgação. Por outras palavras, vómito para limpeza das mucosas e pulmões para kapha, limpeza do fígado para pitta e limpeza do cólon para vāta. Isto não significa apenas a limpeza dos pulmões, fígado ou cólon mas a colheita das toxinas de todos o corpo e do aspeto psicológico, ou seja, é uma limpeza total. Para além destes três procedimentos, temos ainda mais dois procedimentos principais: o sangramento, especialmente para limpeza do sangue e nasya, a administração de medicamentos pelo nariz para limpar os seios frontais e abrir os condutos cerebrais. Existem ainda outras terapias específicas como śirodhara, netra basti, kaṭi basti, massagens, entre outras. Eu diria que, o maior presente do Āyurveda à Humanidade é o de limpar e rejuvenescer o nosso corpo, de uma forma específica, proporcionando uma vida longa e saudável. Oferecemos técnicas de pré-limpeza, limpeza e pós-limpeza. As técnicas de pré-limpeza preparam o corpo para as limpeza de todas as toxinas, especialmente, através do uso de óleos e sudação. Depois usamos as cinco técnicas de limpeza chamadas pañcakarma e as técnicas pós-limpeza. Após termos o corpo absolutamente limpo, tudo aquilo que comermos será recebido e transformado pelas células, pelas novas células, o que significa que existirá rejuvenescimento celular. Se oferecermos o medicamento rejuvenescedor, a dieta rejuvenescedora, os suplementos rejuvenescedores imagine o que acontece aos nossos tecidos. Têm de rejuvenescer. Rejuvenescer aumenta a imunidade do corpo e esse é o papel do Āyurveda: acrescentar vida à nossa vida.

YV – Visto que muitos ocidentais se deslocam à Índia para realizarem pañcakarma quer elaborar um pouco sobre isso?

DS – Sim, eu penso que pañcakarma é o tratamento principal que toda a gente deveria experimentar primeiro e, depois, aperceberem-se quais as mudanças que estão a acontecer na sua vida porque na vida do dia-a-dia acumulam-se muitas toxinas, talvez devido à dieta, das variações climáticas ou dos distúrbios psicológicos. Por isso, é realmente necessário, e é este o conselho do Āyurveda, que uma pessoa comum faça este tratamento, pelo menos, uma vez por ano. Se houver uma doença é mesmo importante limpar o corpo e rejuvenescer para combater melhor a doença. É necessário porque é uma limpeza completa e não apenas limitada a um órgão.

YV – É, realmente, necessário ir à Índia para fazer um pañcakarma?

DS – Basicamente, devido a algumas leis, fora da Índia não temos todos os medicamentos disponíveis e também as instalações que temos lá não podemos providenciar noutros países. Eu penso que, se tivermos o mesmo tipo de instalações aqui também poderemos realizar o pañcakarma.

YV – Como é que o Āyurveda, ou você, analisa um paciente?

DS – Para o diagnóstico, o Āyurveda utiliza orientações específicas para a análise correta de um paciente através de vários tipos de exames. Existem exames de três tipos, dez tipos e por aí fora. Exame de três tipos significa darśanam, praśnam e sparśanam, ou seja, observar o paciente, saber a história [clínica] e condição do paciente e apalpar, sentir as deformidades que existem. Depois temos outros tipos de exame: nāḍī parīkṣā, diagnóstico do pulso, jihvā parīkṣā, diagnóstico da língua, conhecer a rotina e os hábitos da pessoa em relação a fezes, urina, sono e outras coisas. É preciso saber, não apenas a doença mas a pessoa como um todo. Saber qual o seu biotipo básico e depois perceber quais os doṣas ou desequilíbrios que existem agora, ou, qual o padrão de doença que atualmente existe. Em seguida, temos doṣa, dhātu e māla. Doṣas são as energias, dhātu significa tecidos que podem estar “viciados” ou desequilibrados e mālas os produtos excretados que também podem estar desequilibrados. Ou seja, descobrir qual a fisionomia normal e mudanças patológicas que estão perturbadas, no corpo e na mente. Dependendo disto, usamos um questionamento específico sobre a história clínica da família do paciente e do dia-a-dia do paciente relativamente a dieta e alimentação, como líquidos e sólidos, hábitos, o padrão de digestão, o padrão de metabolismo, sono, evacuações, urina, dependências, álcool, fumo ou outro tipo de abusos que esteja a cometer em relação ao corpo, exercício, consciência, alergias, intolerâncias [alimentares], etc. Em suma, de uma forma simples queremos conhecer o tipo de desequilíbrios existentes e depois fazemos uma conclusão final: através destes sinais e sintomas saber que estes doṣas, estes tecidos, estes canais estão perturbados e chegar a um diagnóstico inicial e final. Esta é a rotina de exame.

YV – Qual o futuro que vê para o Āyurveda no Ocidente, na Europa e, principalmente, em Portugal?

DS – Em primeiro lugar, não podemos separar o Āyurveda da vida humana, pois āyus veda é a ciência da vida. Por isso, agora, lentamente, as pessoas estão a entender o que é a sua vida, de certa forma, estão a aprender Āyurveda. Dizemos que Āyurveda é śaśvat, significa que nunca irá desaparecer, embora a sua origem seja indiana, serve o ser humano, a vida humana e é destinado a todos, não é propriedade de uma pessoa, porque veio dos ṛṣis que são totalmente sattva puruṣa e o deram à Humanidade. Não encontramos quaisquer contradições nesta ciência em relação ao seu uso, pois deve ser utilizada com a devida aprendizagem, as devidas técnicas, o devido conhecimento da ciência e outros para que seja benéfica. Se virmos com atenção, o Āyurveda está globalizado, não existe um país que desconheça isto, ou pessoa que o desconheça, já que, é uma ciência natural e estamos a perceber que é preciso voltar, de novo, à natureza. Nesse sentido, estamos a aproximar-mo-nos do Āyurveda e com a globalização podemos dizer que se está a expandir rapidamente. Falando especificamente de Portugal, eu tenho vindo a visitar este país nos últimos quatro anos e meio para ministrar workshops e seminários sobre Āyurveda e tenho visto que existe uma tremenda procura, uma tremenda sede de conhecimento sobre esta ciência. As pessoas pedem mais sobre Āyurveda. Assim, penso que também está a crescer aqui em grande escala.

YV – Pode partilhar connosco algumas dicas simples sobre Āyurveda para uso diário?

DS – É importante aprendermos sempre com a Natureza. Se conhecermos, com exatidão, o nosso corpo e as suas respostas em relação à natureza podemos fazer um diagnóstico simples, como, por exemplo, os alimentos que comemos, os alimentos que não gostamos ou aqueles que causam desconforto ao nosso corpo, para que as nossas respostas aconteçam nesse sentido. Em termos de energia, normalmente, vāta e pitta são secos, são pessoas hiperativas, e se lhes dermos algums tipo de feijões irão ter problemas típicos de digestão como flatulência, obstipação, enfartamento, o que significa que as suas respostas em relação às suas energias não estão a acontecer. Daí dizermos a estas pessoas para tentarem evitar os feijões. Do mesmo jeito, se estiverem a comer alimentos crus, comidas muito secas, ou “comida de plástico” irão ter doenças ou problemas muito rapidamente. As pessoas pitta são pessoas fogosas, quentes e assim, se comerem alimentos picantes ou ácidos irão ter problemas imediatamente. Elas podem sentir problemas digestivos imediatos, pelo que é melhor evitar essas comidas também. Pelo que, devemos saber qual o tipo de comida, sabor ou padrão alimentar diário está a perturbar o nosso corpo para tentarmos normalizar ou equilibrar. Para as pessoas kapha se sentem frio ou se bebem leite ou comem queijo começam a ter alergias, a ganhar peso ou celulite imediatamente. A um nível simples de energia, dependendo do nosso tipo corporal, estamos sempre a reagir à natureza. É por esse motivo que algumas pessoas se queixam: “ eu não gosto de feijões”, “eu não gosto de alimentos ácidos”, “eu não gosto de picantes”, “Eu não gosto de leite, queijo, ou produtos lácteos” porque é o seu padrão que está a exteriorizar-se. Desta forma, se lentamente forem abusando dessas condições as toxinas irão acumular-se e o padrão de doença instala-se. É, pois, preciso conhecer-se primeiro, as nossas reações face à natureza, e depois, aos poucos, adoptar um estilo de vida que não nos incomode, o que significa manter a mente saudável, rejuvenescida; qualquer que seja a situação que esteja a acontecer devemos aprender a aceitar e a usar os meios necessários para estabilizar o corpo de uma forma equilibrada.

YV – O doutor irá voltar a Portugal e dar continuidade a este trabalho?

DS – Será um prazer, e também orgulho, voltar pois as pessoas pedem mais seminários e workshops sobre Āyurveda. Estão realmente a ser beneficiadas. Tem pessoas que estão a aprender massagens ayurvédicas e seguem estas técnicas diariamente e que estão muito contentes por possuir este conhecimento. Eu gostaria de continuar estas visitas para benefício do uso do Āyurveda pelas pessoas.


Entrevista feita em Inglês por Gustavo Cunha para YogaVaidika.com. O Doutor Sandeep Shirvalkar pode ser contactado através do email ayurveda_sps@yahoo.com. Mais informações em www.medicinatradicionalayurvedica.blogspot.com. Agradecemos ao Pazpazes, na pessoa de Bruno Teixeira, as facilidades concedidas para a realização desta entrevista.

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