Introdução aos ṣaḍ-darśanas - Yadunandana Svāmi

O termo Filosofia na Índia significa a avaliação da realidade mundana e transcendental; filosofia e religião andam juntas. O termo Filosofia no Ocidente traduz-se como a avaliação da realidade por meio da razão em oposição à fé; filosofia e religião estão separadas.

Os Vedas, segundo a tradição Vaiṣṇava e outras tradições contemporâneas da Índia, referem-se a śruti ["aquilo que é escutado", i.e., os Vedas] e smṛti ["aquilo que é recordado", como os textos clássicos, i.e., Mahābhārata, Rāmāyaṇa, os Purāṇas, etc] e Vedas, segundo a Indologia refere-se à literatura religiosa dos quatro Vedas.

Tradicionalmente, os ṣaḍ-darśanas [ṣaḍ é um termo Sânscrito que significa seis e darśana significa perspectiva da realidade; não se refere unicamente à teologia ou à filosofia] são seis escolas de pensamento que propagaram a sabedoria Védica, cada uma de uma perspectiva diferente. Cada uma destas perspectivas ou darshanas está associada a um sábio famoso que é o autor de um sūtra (código) que exprime a essência do seu darśanas.

Os ṣaḍ-darśanas são os seguintes:
Nyāya (lógica) por Gautama
Vaiśeṣika (teoria atómica) por Kanada
Sāṅkhya (análise da matéria e do espírito) por Kapila
Yoga (a disciplina da auto-realização) por Patanjali
Karma-mīmāṃsā (a ciência do trabalho fruitivo) por Jaimini
Vedānta (a ciência da realização final) por Vyāsa (Aṣṭāvakra expôs o Vedānta impersonalista)

Perspectiva Vaiṣṇava: Começando com nyāya, cada um dos ṣaḍ-darśanas apresenta uma explicação mais desenvolvida dos aspectos do conhecimento Védico. Complementam-se umas às outras e constituem um sistema filosófico integrado. Perspectiva Ocidental: Os ṣaḍ-darśanas evoluíram historicamente e não constituem um sistema filosófico integrado.

Nyāya: A Filosofia da Lógica e do Raciocínio
O sistema de filosofia nyāya foi estabelecido pelo sábio Akṣapāda Gautama (segundo os académicos por volta do ano 400 AC). Utilizando o raciocínio sistemático, esta escola de filosofia tenta discriminar entre conhecimento válido e conhecimento inválido. Durante o século XIII, o sistema de Gautama chegou a ser conhecido como o Nyāya Antigo e uma nova escola chamada Nava Nyāya foi introduzida por Gaṅgeśa e Raghunātha Śiromaṇi. Na filosofia nyāya os aspectos da realidade manifesta e não-manifesta dividem-se em dezasseis divisões principais chamadas padārthas.

Terminologia:
Padārtha: uma divisão da realidade (16)
Pramāṇa: a fonte do conhecimento (4)
Prameya: o objecto do conhecimento (12)

Os 16 Padārthas
I. Pramāṇa, as quatro fontes do conhecimento válido.
II. Prameya, os doze objectos do conhecimento.
III. A dúvida (saṃśaya).
IV. A finalidade (prayojana).
V. O exemplo (dṛṣṭānta).
VI. A doutrina (siddhānta).
VII. Os constituintes do processo de inferir (cinco avayavas).
VIII. O argumento hipotético (tarka).
IX. A conclusão (nirṇaya)
X. A discussão (bādha).
XI. A luta verbal (jalpa).
XII. O raciocínio irracional (vitaṇḍā).
XIII. O raciocínio especioso (Hetvābhāsa).
XIV. A resposta injusta (chala).
XV. A generalidade baseada numa analogia falsa (jāti).
XVI. Campo para a derrota (nigrahasthāna).

Vaiśeṣika: Física da Índia e a Teoria Atómica
A tradição vaiśeṣika, fundada por Kaṇāda (cerca de 400 anos AC segundo os académicos), é pluralista, realista e teísta; contribuiu com teorias metafísicas para a nyāya e adoptou as suas teorias lógicas. A palavra vaiśeṣika significa singularidade (vem de viśeṣa que significa singular). Atribui-se a Kaṇāda a descoberta da singularidade (viśeṣa). De acordo com a sua filosofia todos os particulares são independentes um do outro, são infinitos em número e não podem ser reduzidos a nada em comum. Vaiśeṣika defende a teoria atómica da existência, segundo a qual o universo inteiro está composto por átomos eternos. Mas ao mesmo tempo, vaiśeṣika não ignora as leis morais e espirituais que governam o processo da união e separação de átomos. A vontade do Ser Supremo dirige a operação dos átomos segundo os saṃskāras passados dos seres individuais.

As Sete Categorias da Realidade (Padirthas) segundo a escola Vaiśeṣika
1.Substância (9 Dravyas: terra, água, fogo, ar, éter ou espaço, tempo, direcção, alma e mente)
2.Qualidade (24 Guṇas: cor, sabor, cheiro, tacto, som, número, magnitude, diferença, união, separação, distância, proximidade, cognição, prazer, dor, desejo, aversão, esforço, peso, fluidez, solidez, tendência, virtude e não virtude)
3.Acção (karma)
4.Generalidade (sāmānya)
5.Singularidade (viśeṣa)
6.Inerência (samavāya)
7.Não existência (abhāva)

Sāṅkhya: A Análise da Matéria e do Espírito
A filosofia sāṅkhya, considerada por alguns como a mais antiga das escolas filosóficas, foi sistematizada por um pensador antigo chamado Kapila (diferente do Devahuti putra Kapila). O seu texto perdeu-se, mas posteriormente Iśvarakṛṣṇa escreveu o Sāṅkhya Kārikā, no qual transmitiu as ideias de Kapila.

Prakṛti – O Principio Inconsciente
A causa última do mundo deve ser um princípio latente com potencial, e não deve ter causa, deve ser eterna e omnipenetrante. Deve ser mais subtil que a mente e o intelecto, e ao mesmo tempo deve conter todas as características dos objectos externos, dos sentidos, da mente e do intelecto. Na filosofia sāṅkhya esta causa última denomina-se prakṛti. Prakṛti caracteriza-se por três guṇas: sattva, rajas e tamas. A palavra guṇa pode ser traduzida como “uma qualidade ou atributo de prakṛti”, mas é importante assinalar que as três guṇas não devem ser tomadas meramente como aspectos superficiais da natureza material, mas são sim a natureza intrínseca de prakṛti. Chamam-se guṇas (“cordas”) porque atam a alma ao mundo material. A existência física de um indivíduo é simplesmente uma manifestação das guṇas que se manifestou devido à consciência. A intenção da consciência fez com que prakṛti se manifeste. Isto perturba o estado de equilíbrio na prakṛti e causa que as guṇas interajam e manifestem o universo.

Puruṣa – Consciência
Cada corpo contem um ser, mas o ser é diferente do corpo, dos sentidos, da mente e do intelecto. É um espírito consciente que é simultaneamente o sujeito do conhecimento e o objecto do conhecimento. Não é meramente uma substância com o atributo da consciência, mas sim consciência pura, auto-iluminada, imutável, sem causa, omnipresente e eternamente real. Tudo o que é produzido ou que está sujeito a mudanças, morte e decadência pertence a prakṛti ou à sua evolução e não ao ser. Pensar que o ser é o corpo, os sentidos, a mente ou o intelecto é ignorância, e é devido a essa ignorância que o puruṣa se confunde com os objectos do mundo. Por isso, fica amarrado na cadeia contínua de mudanças e fica sujeito às experiências do prazer e a dor.

Os vinte e três elementos de prakṛti em Sāṅkhya
O curso da evolução ocorre em vinte e quatro etapas. Começa a partir da raíz, prakṛti, e termina com o elemento terra, a manifestação mais densa. Este processo divide-se em duas categorias principais: o desenvolvimento da prakṛti como buddhi, ahaṅkāra, e os onze sentidos, e a evolução dos cinco elementos subtis e dos cinco elementos densos.

YOGA: Auto-disciplina e Auto-realização (Psicologia e Psicoterapia védicas)
A escola do Yoga, também conhecida como aṣṭānga-yoga (ou o yoga em oito partes), tem proximidade com a filosofia sāṅkhya. O aṣṭānga-yoga é a aplicação prática da filosofia sāṅkhya para alcançar a libertação. Denomina-se patañjala-yoga porque foi sistematizado pelo sábio Patañjali. A sua obra é conhecida como o Patañjala Yoga-sūtra. Há vários comentários deste texto, sendo o de Vyāsa o mais antigo e profundo. Este sistema de yoga explica a natureza da mente, as suas modificações, impedimentos para o seu desenvolvimento, aflições e os métodos para alcançar aquilo que se descreve como a meta máxima da vida: kaivalya (o estado absoluto).

O Caminho Óctuplo do Yoga
Os oito componentes (āstha-anga) deste sistema de yoga são:
1.Yamas [5 restrições: não violência (ahimsa); não mentir (satya); não roubar (asteya); controle dos sentidos (brahmacarya); abandonar o sentido de posse (aparigraha)];
2.Niyamas [5 observâncias: pureza (śauca); satisfação (saṃtoṣa); austeridade (tapas); estudo (svādhyāya); entrega (īśvara praṇidhāna)];
3.Āsana (posturas de Yoga)
4.Prāṇāyāma (controle da força vital através da respiração);
5.Pratyāhāra (retrair os sentidos);
6.Dhāraṇā (concentração);
7.Dhyāna (meditação);
8.Samādhi (absorção espiritual).

Karma-Mīmāṃsā: Elevação através da execução do dever
A palavra karma refere-se a qualquer acção que produza uma reacção, seja ela boa ou má. A palavra Mīmāṃsā significa analisar e entender minuciosamente. Os sistemas filosóficos de karma-mīmāṃsā e vedānta estão relacionados de perto e de certo modo complementam-se. Karma-mīmāṃsā pode entender-se como o primeiro passo para chegar ao Vedānta. Examina os ensinamentos do Veda à luz dos rituais karma-kāṇḍa, enquanto o Vedānta examina os mesmos ensinamentos à luz do conhecimento transcendental. O sistema karma-mīmāṃsā denomina-se purva-mīmāṃsā, o qual significa o estudo inicial do Veda. E o Vedānta é conhecido como uttara-mīmāṃsā, que se refere ao estudo final do Veda. O karma-mīmāṃsā é seguido pelos casados, e o Vedānta reserva-se aos sábios que se graduaram da vida de casado e aceitaram a ordem de renúncia (sannyāsa).

Vedānta: A Conclusão do Veda
As Upaniṣads têm sido descritas como o quarto e último grau da erudição Védica. Por esse motivo, são conhecidas como Vedānta, “a conclusão do Veda”. A filosofia karma-mīmāṃsā surgiu do estudo inicial das porções rituais dos Vedas, pelo que é conhecida como purva-mīmāṃsā, “deliberação inicial”. O Vedānta é conhecido como uttara-mīmāṃsā, “deliberação superior”, e também como brahma-mīmāṃsā, “deliberação acerca do Brahman, a Verdade Absoluta”. A palavra Upaniṣad significa “aquilo que se aprende sentando-se perto do mestre”. Os textos das Upaniṣads são sumamente difíceis de entender; tal como o próprio nome indica, só podem ser entendidos sob a orientação próxima de um mestre espiritual. Devido ao facto de que as Upaniṣads contêm afirmações aparentemente contraditórias, Vyāsadeva sistematizou os ensinamentos "upaniṣádicos" no Vedānta-sūtra ou Brahma-sūtra.

O Vedānta-sūtra está dividido em quatro capítulos: Samanvaya, que explica a unidade da filosofia das Upaniṣads; Avirodha, que resolve aparentes contradições; Sādhana, que descreve os meios para alcançar o Supremo; e Phala, que indica a meta. Os sūtras de Vyāsa são difíceis de entender sem uma explicação completa. Na Índia há cinco escolas principais de Vedānta. Cada uma delas foi estabelecida por um ācārya que explicou os sūtras num bhāṣya (comentário). Das cinco escolas ou sampradāyas, uma delas, a de Śaṅkara, é impersonalista. Isto significa que o Ser Supremo é explicado em termos impessoais dizendo-se que não tem nome, nem forma, nem características. As escolas de Rāmānuja, Madhva, Nimbārka e Viṣṇusvāmi explicam Deus em termos pessoais. Cada uma das sampradāyas Vedantistas é conhecida pelo seu siddhānta, “conclusão essencial” acerca da relação entre Deus e a alma; a alma e a matéria; a matéria e a matéria; a matéria e Deus, e a alma e as almas.

O siddhānta de Śaṅkara é advaita “não diferença” (i.e.: o todo é uno e portanto as cinco relações são irreais). Todos os outros siddhāntas sustentam a realidade destas relações a partir de pontos de vista diferentes. O siddhānta de Rāmānuja é viśiṣṭādvaita, “não diferença qualificada”; o siddhānta de Madhva é dvaita, “diferença”; o siddhānta de Viṣṇusvāmi é śuddhādvaita “não diferença purificada”. E o siddhānta de Nimbārka é dvaita-advaita “diferença e identidade”.

Yadunandana Swami é monje Vaiṣṇava desde 1977 e actualmente Reitor do Bhaktivedanta College na Bélgica. Agradecemos ao Oriente no Porto, na pessoa do Sr. Govinda, as facilidades concedidas para a publicação deste artigo. Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

Mensagens populares