A meditação no mantra Haṃsaḥ - João C. Gonçalves

Na descrição da consciência do yogue, algumas sugestões são dadas com o intuito de proporcionar o estado de presença e de atenção. Dentre elas, a sincronização da atividade respiratória com o pulsar do universo. Faz-se tal ato por meio da percepção do mantra que é entoado espontaneamente a cada instante em que a vida se manifesta.

कथा जाप: |

kathā japaḥ |
A conversa é a entoação. Śiva-sūtra, 3.27, com o comentário Vimarśinī, de Kṣemarāja

ahameva paro haṃsaḥ śivaḥ paramakāraṇam
Eu sou o supremo haṃsaḥ, a causa profunda [da existência]

iti śrīsvacchandanirūpitanītyā nityameva parāhaṃbhāvanāmayatvāt
De fato [o yogue faz a entoação] permanentemente, conforme descrito no excelente Svacchanda, visto que ele está dentro da meditação no 'eu' supremo.

tasya devātidevasya parabodhasvarūpiṇaḥ | vimarśaḥ paramā śaktiḥ sarvajñā jñānaśālinī ||
Aquele que está identificado com a inteligência suprema, do deus que supera os deuses, é dotado da suprema śakti como um despertar, como o conhecimento da totalidade, que é a sede do conhecimento.

iti śrīkālikākramanirūpitanītyā mahāmantrātmakākṛtakāhaṃvimarṣārūḍhasya yadyadālāpādi tattadasya svātmadevatāvimarśānavaratāvartanātmā japo jāyate |
[O yogue] que desenvolveu o despertar do 'eu', de forma não artificial sob a essência do grande mantra, conforme descrito no excelente Kālikā-krama, possui um falar que é uma entoação que se realiza como a repetição ininterrupta do despertar da divindade que é o seu próprio ser.

yaduktam śrīvijñānabhairave
bhūyo bhūyaḥ pare bhāve bhāvanā bhāvyate hi yā |
japaḥ so'atra svayaṃ nādo mantrātmā japya īdṛśaḥ ||

À meditação que é realizada recorrentemente no estado transcendente assemelha-se a entoação a ser entoada, que é a essência do mantra - o som aqui presente [que soa] por si mesmo. (VBT 145)

iti | tathā
sakāreṇa bahiryāti hakāreṇa viṣetpunaḥ |
haṃsahaṃsetyamuṃ mantraṃ jīvo japati nityaṣaḥ ||
ṣaṭśatāni divārātrau sahasrāṇyekaviṃśatiḥ |
japo devyā vinirdiṣṭaḥ sulabho durlabho jaḍaiḥ ||

[O alento] sai com o som 'sa' e deve entrar novamente com o som 'ha' . 'Haṃsa', 'Haṃsa' - é este o mantra que a vida produz permanentemente. Ao longo do dia e da noite, 21.600 [vezes]. A entoação da deusa é de fácil aprendizado - difícil [somente] aos tolos. (VBT 155-156)

Orientações para a meditação sobre o mantra haṃsaḥ

Orientações gerais para a prática de meditação:
1) postura física: preferencialmente sentada, no chão ou cadeira, com a coluna ereta, com o olhar naturalmente projetado nem acima nem abaixo da linha do horizonte;
2) presença física: ombros, pescoço e nuca descontraídos, caixa torácica em estado de receptividade, livre para respiração profunda;
3) face: sem tensões ou expressões, com a musculatura relaxada - as práticas que exigem atenção à respiração não devem provocar tensão nas narinas;
4) auto-observação: observar como estão os pensamentos, sentimentos e emoções, sem interferência ou julgamentos, criando um estado de atenção e presença;
5) respiração: manter a respiração simétrica, isto é, fazer com que os ciclos de inspiração e expiração tenham durações semelhantes, permitir que a passagem da expiração para a inspiração e da inspiração para a expiração seja a mais fluida possível, como se fosse uma roda girando ininterruptamente, onde meia volta faz encherem e meia volta faz esvaziarem os pulmões - encontrar o conforto presente no ato de respirar suave, lento e profundo;
6) motivação: a meditação envolve o desejo de transformação da consciência, bem-estar, cura, auto-conhecimento, domínio sobre si-mesmo, etc., portanto, as práticas são atividades espontâneas, às quais aderimos quando fazem sentido para nossos propósitos e não violentam os nossos limites físicos ou emocionais.
7) finalização da prática: dissolver as visualizações gradualmente, sem interrupção brusca, retornar a respiração a seu ritmo natural e observar as sensações obtidas, evitando julgamentos e projeções. Caso a prática tenha trazido um estado de consciência interessante, registrá-lo interiormente, como quem desenha um mapa, objetivando retornar a um local cuja visita tenha sido agradável.

Prática de meditação sobre o mantra haṃsaḥ
a) Sentir a presença do som 'haṃ' enquanto inspirar e sentir a presença do som 'saḥ' enquanto expirar (não é necessário que o som seja produzido materialmente pela passagem do ar); b) a passagem de um som ao outro deve ser contínua, assim como a inspiração e a expiração, que devem alternar-se fluidamente; c) visualizar o som acontecendo naturalmente junto à respiração, vibrando simultaneamente ao pulsar da caixa torácica.

Variações para a prática:
i) a meditação pode ser feita com olhos abertos ou fechados; ii) praticar caminhando e, caso sinta conforto e naturalidade, praticar em qualquer situação cotidiana; iii) na prática individual, é possível adicionar outras visualizações, como, por exemplo, o som se propagando no interior do corpo, como se este fosse um espaço vazio a ser preenchido.

Observações:
A sílaba 'haṃ' corresponde ao pronome de primeira pessoa 'eu' (sânscrito: aham) e a sílaba saḥ corresponde ao pronome de terceira pessoa 'ele' (sânscrito: saḥ). No mantra haṃsaḥ, está sintetizada a identidade entre o 'eu' e o 'ele', sendo que o primeiro designa a consciência individual e o segundo designa a consciência divina. Durante a meditação no haṃsaḥ, a expansão e a contração do ato respiratório transforma o ato individual em ato cósmico. Com isso, o indivíduo percebe e vivencia a identidade de seu próprio pulsar com todas formas que pulsam no universo, desde as partículas subatômicas até as galáxias. Segundo outra forma de interpretar a formação do mantra, entende-se que haṃsaḥ contenha a śakti (ha), o indivíduo (aṃ) e Śiva (saḥ). Nas duas formas de interpretar o mantra, a experiência da totalidade é sugerida ao individuo.

Retirado de www.om.pro.br e republicado em www.YogaVaidika.com com a permissão do autor (João Barbosa Gonçalves). Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

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