Nutrição Āyurveda - Sandeep Shirvalkar

O Dr. Sandeep Shirvalkar, licenciado em Medicina Āyurveda e perito em Dietética Āyurveda, voltou a Portugal para um série de cursos e consultas e tivemos a oportunidade de falar um pouco mais com ele. Segue abaixo, a transcrição dessa conversa. Para ler uma entrevista sobre que fizemos anteriormente, de caráter biográfico e sobre Āyurveda em geral, clique aqui.

Yoga Vaidika – Quais são as diretrizes da nutrição Āyurveda?

Sandeep Shirvalkar – Āyurveda ensina-nos o tipo de alimento que devemos preferir ao invés daquele que a sociedade consome, pois, ocasionalmente, mesmo um alimento considerado saudável causa algum tipo de problema. Por exemplo, às vezes, as pessoas consomem saladas muito saudáveis mas queixam-se de gases ou espasmos. Daí que o Āyurveda diz que se as pessoas [do biotipo] Vāta consomem saladas ou alimentos crus podem ter problemas. Nesse caso, optamos por menos alimentos crus e mais alimentos cozinhados. Também os grãos podem provocar gases, por isso, aconselhamos a adicionar um colher de sopa de ghī para cozinhar os grãos. Isso irá ajudar a uma boa digestão. Ou, por exemplo, se alguém comer um alimento doce e se depois se sente enfartado aconselhamos chá de gengibre, canela ou hortelã após a refeição. Algumas infusões simples evitam este tipo de problemas. E, assim, existem muitas dicas, de acordo com os sabores, que são importantes e que podemos utilizar no dia-a-dia para viver em equilíbrio.

YV – Fala-se muito da dieta mediterrânea que tem por base o uso de óleos alimentares, vinho tinto, etc. Qual é a opinião do Āyurveda sobre isto?

SS – A grande diferença entre as duas dietas é o consumo de produtos animais. Come-se muita carne [na dieta mediterrânea], por isso são necessários produtos para digerir isso. Por isso, na minha opinião, são necessários digestivos, estimulantes, ou seja, um trago de vinho após a refeição é recomendado. É importante saber a quantidade e a qualidade de carne que se come... quantas refeições diárias incluem carne. E o mesmo em relação ao álcool. Isto está relacionado com o biotipo. Por exemplo, as pessoas Pitta não necessitam de álcool pois já têm uma boa digestão; as pessoas Kapha necessitam de estimulantes e, por isso, talvez o álcool possa ser recomendado para elas; as pessoas Vāta, por vezes, comem muito e, outras vezes, comem pouco daí que a quantidade seja importante na sua alimentação.
Segundo o Āyurveda, no Inverno aconselha-se uma maior quantidade de óleos alimentares para dar um bom suporte, mas, durante o Verão os fritos são desaconselhados - peixe frito e batata frita estão fora de questão.
Temos de adaptar a alimentação segundo a estação do ano e de acordo com o biotipo de cada indivíduo. E, de acordo com as doenças específicas de cada um. Claro que quem padece de colesterol elevado não deve incluir os óleos na sua alimentação, e, em casos de hipotensão o álcool deve ser retirado. Tudo isto tem de ser considerado.

YV – E em relação à fast-food?

SS – A meta do Āyurveda é mokṣa, assim como no Yoga. Basicamente, precisamos de saber o queremos da nossa vida, do nosso corpo e mente. Se queremos equilíbrio, precisamos prestar atenção. Claro que não podemos escutar apenas o sabor e comer todas as porcarias que nos apetecer. Lembro-me de uma frase de Bernard Shaw: “Porque devo comer carne? O meu estômago não é um cemitério!” [risos]. Eu diria o seguinte, porquê comer algo que o meu corpo não consegue digerir e acumular lixo? Se estiver a digerir, tudo bem, mas, se não está a nutrir os tecidos do corpo estaremos a causar doenças. Em relação ao principal objetivo da vida, para uma pessoa viver uma vida equilibrada e a proporcionar à geração seguinte é necessário manter o corpo, tecidos, e nutrientes saudáveis, e logo chegamos à questão: “O que devo comer?”. Resumidamente, dizemos que deverá ser sattva – aquilo que faz o corpo e a mente felizes – não no sentido do imediato, mas, em termos da saúde ao longo da vida.

YV – E em relação a ṛtucaryā – a rotina ao longo do ano e das estações?

SS – É absolutamente necessário saber que alimentos devemos consumir no Verão, no Inverno, durante a época das chuvas [o Āyurveda descreve 6 estações do ano na Índia] porque as estações afetam as mudanças de Vāta, Pitta e Kapha, nos elementos, na natureza, como no nosso corpo também. É necessário equilibrar estas mudanças com a alimentação porque estamos diretamente ligados à natureza através da alimentação. Aquilo que estamos a comer vem da natureza. O que é consumido vem da natureza, que colocou estas qualidades em termos de elementos que estamos a consumir. Estes elementos chegam ao nosso corpo daí que devemos equilibra-los com os elementos que a própria natureza proporciona.

YV – Qual é a importância do meio envolvente no surgimento de problemas como ansiedade, stress, depressão?

SS – O meio envolvente conta bastante. Vemos que se não há Sol, luz, sentimos a escuridão no exterior e no interior. Podemos sentir também arrepios, fechamo-nos e tornamo-nos ineficientes. Mas, se o Sol estiver presente, o dia está ótimo, as pessoas vão à praia. Isto porque a circulação e o fuir acontecem, a mente abre-se e a energia propaga-se. Tendo em atenção as variações sazonais vemos que aquilo que acontece na natureza acontece no nosso corpo também. Nos países nórdicos, onde o Sol apenas brilha com intensidade durante um, dois, ou, no máximo, seis meses por ano, as tendências suicidas são elevadas. Há uma relação direta entre a natureza e o estado de espírito, a energia, a capacidade de pensar, etc. Se chove o tempo todo, e precisa de trabalhar, como isso afeta a sua mente?
Assim, são necessárias mudanças consoante as estações. Da mesma forma que existem variações nos elementos no exterior também existem variações dos elementos no nosso corpo. Em relação a comidas pesadas, por exemplo, uma dieta baseada em queijo ou batata, o que acontece? Sentimo-nos imediatamente sonolentos, o sangue ao invés de irrigar o cérebro aflui ao estômago e perde-se a capacidade de raciocínio, de trabalhar. Se, nessa altura, for necessário trabalhar isso não irá acontecer de uma forma cabal. Desta forma, a digestão, a qualidade dos alimentos, o metabolismo, as variações sazonais afetam-nos psicologicamente também.

YV – Significa que o Āyurveda consegue ajudar também no equilíbrio emocional ou mental?

SS – Sim! Falo sobre isso na dieta sattva. Sattva não é mais do que uma qualidade da mente. Os nutrientes alimentam não apenas o corpo mas a mente, também. Digamos que está com sede. Qual é o primeiro sinal? A garganta seca mas, também, ficamos sem energia e perdemos a capacidade de pensar. Até voltarmos a beber esta situação agrava-se. Se praticarmos muito exercício o que acontece? Sentimos a necessidade de algo que nos faça rejuvenescer, beber líquidos com teor ácido para repor a energia, como sumo de laranja ou algo do género com vitamina C. Dessa forma, a energia é restituída ao corpo e à mente. Cada alimento tem um efeito específico no corpo e na mente. A mente é nutrita através da comida, não apenas por pensamentos. O alimento é a base do corpo e da mente, daí que para controlar a nossa mente seja necessário controlar a nossa dieta. Quanto mais pungente for a nossa alimentação mais pungentes serão os nossos pensamentos, por exemplo. Assim, controlamos os aspetos fisiológicos e também psicológicos através da dieta. Por isso, quando aconselhamos uma dieta não olhamos apenas para o aspeto físico mas, também, à mente, que é muito importante.

YV – Qual é a opinião dos médicos ocidentais sobre Āyurveda?

SS – Vivemos num mundo científico e até tudo ser provado cientificamente nada é aceite. Claro que existem muitas investigações sobre Āyurveda. Todas as plantas medicinais usadas no Āyurveda e disponíveis, hoje em dia, são testadas em ensaios clínicos, quer em animais, quer em humanos e os resultados estão à vista, quer em websites governamentais quer em websites privados. Julgo que a medicina ocidental está a aceitar o Āyurveda devido às bases científicas. Penso também que não contradiz a ciência moderna e, claro, tem sido testado ao longo dos tempos.

YV – Irá demorar muito tempo até existirem médicos ayurvédicos em Portugal?

SS - De acordo com o meu conhecimento, o momento é agora. O governo está a considerar a utilização das ervas em termos farmacêuticos modernos, por isso, talvez esse dia esteja próximo.

YV – Qual será o futuro, em termos de cursos e formações, do Āyurveda consigo em Portugal?

SS – Começamos com workshops para informar as pessoas sobre as bases do Āyurveda, aquilo que traz às pessoas, à sociedade e à humanidade. E, como cada vez mais pessoas estão interessadas em saber sobre dietas e afins relacionadas com Āyurveda, estamos a preparar cursos e formações, inclusive sobre massagens, terapias suplementares como śirodhārā, culinária e ervas ayurvédicas. Estamos a planear cursos breves que também irão fornecer um conhecimento profundo, do nível primário ao superior, dependendo das habilitações dos alunos, para divulgar o conhecimento sobre Āyurveda.
Āyurveda é muito vasto e, na Índia, é considerado como uma ciência médica: o ensino superior dura cinco anos e meio e a pós-graduação três anos. Aqui, em Portugal, dependendo daquilo que o aluno pretende fazer no futuro, poderemos começar com um ensino passo-a-passo, começar com a história do Āyurveda, conhecimento básico sobre Āyurveda (como os doṣas, elementos ou tecidos), depois abordaremos mais profundamente o conhecimento do corpo (como os canais [energéticos] e marmas), fisiologia e anatomia do Āyurveda e as condições patológicas (como originam, quais as doenças, as causas, fatores, sinais e sintomas), os aspectos farmacêuticos (como as ervas funcionam e trazem equilíbrio aos doṣas quando estão intoxicados) e, finalmente, procedimentos de purificação e limpeza (como retirar as toxinas do corpo). Este é o primeiro plano e há muitos ramos que o acompanham, tais como pediatria, ginecologia, infertilidade/fertilidade, rejuvenescimento, farmacologia e usos de ervas para infusões, decocção, óleos e outros. Outros ramos para conhecer, talvez cirurgia, medicina forense ou otorrinolaringologia. Dependendo das habilitações dos alunos podemos seguir outros caminhos também, e, pôr em prática as massagens, śirodhārā, alguns procedimentos de purificação para que possam aprender como funcionam. Em traços gerais, é esta a ideia.

YV – Irá voltar também para cursos de nutrição ayurvédica?

SS – Sim. Basicamente, o Āyurveda foca-se em duas coisas: quando uma pessoa vive uma vida equilibrada e quando há desequilíbrio. Para manter uma vida equilibrada, como é obvio, temos de prestar atenção à nossa dieta e aos nossos hábitos. A dieta é o principal tópico do Āyurveda. Há uma frase que diz: “somos aquilo que comemos”, mas, no Āyurveda (e esta é a minha perspectiva): “somos aquilo que digerimos”. Importa então saber qual o alimento que iremos digerir apropriadamente a cada estação ano e em determinado lugar para mantermos com facilidade a nossa saúde. E, também, alguns métodos sobre como cozinhar e princípios sobre os biotipos (doṣas), tecidos, doenças e como usar as especiarias, cereais, vegetais, frutas, sumos, sopas e sabor: pungente, ácido, doce, etc, já que, Āyurveda fala sobre os seis sabores. Iremos abordar a propriedade dos alimentos não só em termos de dieta mas, também, em termos medicinais. A alimentação diária pode ser a nossa medicina, utilizada como substância de rejuvenescimento. Estamos a planear alguns pratos especiais que podemos preparar aqui para que os possamos cozinhar tendo em vista o clima, cerimónias, biotipos ou doenças específicas. Esta é a base daquilo que estamos a planear.

Entrevista feita em Inglês por Gustavo Cunha para YogaVaidika.com. O Doutor Sandeep Shirvalkar pode ser contactado através do email ayurveda_sps@yahoo.com. Mais informações em www.medicinatradicionalayurvedica.blogspot.com. Agradecemos ao Pazpazes, na pessoa de Bruno Teixeira, as facilidades concedidas para a realização desta entrevista.

Mensagens populares