Upadeshasaram de Ramana Maharshi - David Frawley

Upadesha-saram significa a essência da instrução. Neste texto, Bhagavan Sri Ramana Maharshi explica todas as principais práticas yoguicas culminando em jnana yoga, o yoga do conhecimento, o seu método primordial de questionamento sobre Si-mesmo que ele enfatizava. Ele mostra como os aspirantes crescem e amadurecem desde as práticas preliminares até ao mais alto conhecimento e, finalmente, à auto-realização.

A primeira metade do ensinamento consiste nas práticas base dos yogas de karma, bhakti, mantra e prana. A segunda metade consiste numa explicação específica sobre jnana yoga e os seus vários métodos.

Algumas pessoas, tendo notado no ênfase de Ramana no questionamento sobre Si-mesmo, chegaram à conclusão errada que ele rejeitou os outros yogas [e declarou-os] como sendo inúteis. Neste ensinamento ele mostra o lugar que eles ocupam e o seu desdobramento por etapas. Que tanto possa ter sido contido nuns meros trinta versos é realmente extraordinário, no mínimo. Adicionei um comentário que procura mostrar as práticas pretendidas pelos versos e a sua relação

Reconhecer a Lei do Karma
1. Pelo comando do Criador uma pessoa recebe o fruto das suas ações. Karma não é o supremo. Karma, por si só, é inerte.

2. Karma é a causa da queda no vasto oceano da ação. Os seu fruto é efémero e impede-nos de alcançarmos a nossa meta de libertação.

A primeira etapa da prática espiritual é reconhecer a lei do karma pela qual estamos presos no ciclo de renascimentos e o sofrimento resultante de nascimento e morte. Karma, o fruto das nossas ações, resulta da vontade de Deus, que tem o poder de nos levar além delas. Ao Reconhecer que karma depende do Divino cessamos de buscar a ação como a nossa meta de vida e olhamos para a sua fonte.

Devido às nossas ações no passado estamos presos no oceano de samsara que nos prende ao transitório e nos impede de contactarmos com a liberdade da nossa natureza eterna. Ao reconhecermos isto ganhamos desapego das ações externas, que é a base necessária de todas as práticas yoguicas.

A Necessidade de Karma Yoga
3. A ação dedicada ao Senhor, que não foi feita por desejo, é o meio para purificar a mente e facilitar a libertação.

Agora, em termos gerais, é definido karma yoga, que é a base da prática espiritual. O caminho para fora da teia do karma é através de karma yoga ou serviço abnegado, ação dedicada a Deus. Isto purifica as nossas mentes e ajuda-nos a atingir a libertação. Não é o karma que nos prende mas o desejo. A ação abnegada é a fundação do caminho espiritual e todos os seus métodos, que deve ser livre de motivação egoísta.

Ritual, Mantra e meditação: As Três Práticas de Base
4. Os deveres supremos do corpo, discurso e mente são ritual, mantra e meditação.

A nossa natureza compele-nos a agir. A ação libertadora consiste em práticas espirituais. Estas são tríplices de acordo com os três aspetos da nossa natureza como corpo, discurso e mente. O dever supremo do corpo é puja ou serviço a Deus e à humanidade. O dever supremo do discurso é mantra ou repetição de nomes Divinos. O supremo dever da mente é meditação.

O Duplo Karma Yoga
5. O serviço ao mundo deverá ser feito com o pensamento em Deus. A reverência ritualística deverá ser ao Senhor que tem como forma os oito aspectos da criação.

Este verso explica os dois aspetos de karma yoga feitos com o corpo como serviço (seva) e reverência devocional (puja). Serviço ao mundo deve ser feito com a ideia que o mundo é uma manifestação de Deus. A reverência ritualística, como aquela feita a imagens Divinas, deverá ser baseada no reconhecimento da presença Divina no mundo, o Criador que tem como forma dos oito aspetos da criação. Estes são os cinco elementos, mente, ego e natureza que estão incorporados nos diferentes aspetos de puja. Sem este reconhecimento interior, o serviço ou o ritual continua sendo mecânico e ineficaz. Note-se que asanas yoguicos são tidos como um ritual na forma de prática corporal.

Mantra Yoga
6. Melhor que o cântico audível de mantras, é o seu murmúrio suave, melhor ainda é a sua repetição mental.

Este verso explica mantra yoga que lida com discurso, que, geralmente, é a etapa seguinte após karma yoga que lida com o corpo. Mantras têm três formas. O cântico audível ajuda-nos a assimilar as qualidades básicas do mantra. O murmúrio suave de mantras associa-os à respiração. A repetição mental, na qual eles chegam a reverberar na mente subconsciente, tem o efeito de transformação mais poderoso. Praticar mantras destas três maneiras e ficar-se pela última etapa é o melhor.

O Ramanashram, desde a época de Ramana, tem tido sempre canto Védico diário pelo seu poder de acalmar e purificar a mente. Ramana também recomendou a várias pessoas a entoação de mantras como OM e vários nomes Divinos, particularmente, o nome de Shiva ou a montanha Arunachala (OM Arunachala Shivaya Namah!).

Concentração
7. Assim como o fluir do ghee num fio contínuo, o pensamento simples e constante é melhor do que aquele que é complexo e partido.

Este verso explica a base da meditação ou concentração (dharana). A meditação, em qualquer formato, deve ser simples, pura e contínua como quando se verte um fio de ghee (manteiga clarificada) aquecido. Isto acompanha a repetição mental do mantra, que deverá tornar-se numa corrente de meditação.

Bhakti Yoga
8. Da meditação na diferença, procede-se à meditação em “Ele sou eu.” A meditação sem diferença é vista como a mais purificadora.

Este verso mostra o aspeto da meditação devocional numa forma ou bhakti yoga. Uma pessoa inicia com meditação em formas, em Deuses como Shiva, Vishnu ou na Deusa, com sendo diferentes de si. Depois, aos poucos, uma pessoa entende que os Deuses são apenas formas de Si-mesmo mais profundo ou pura consciência, a presença Divina no coração. Esta é a realização como “Ele (o Ser na Divindade) sou eu.” Uma pessoa passa a meditar sobre a divindade como sendo ela mesma. Esta visão do Ser na divindade é o real poder purificador , não a forma particular que uma pessoa usa, por mais útil que essa seja enquanto veículo.

Ramana, ele mesmo, reverenciava o Senhor Shiva na forma da montanha Arunachala e como a principal divindade do templo Tiruvannamalai, experenciando diretamente o caminho com forma de bhakti yoga. Ele também reverenciava a Deusa tanto em Madurai como em Tiruvannamalai. Muitos dos grandes devotos de Ramana, incluindo Ganapati Muni, reverenciavam o próprio Ramana na forma do Senhor Skanda ou Dakshinamurti.

Devoção informe
9. Da ausência de um estado em particular vem a residência no estado de ser. Da força dessa sensação vem a mais elevada devoção.

Este verso mostra o aspeto sem-forma de bhakti yoga. Assim que uma pessoa ultrapassa o sentimento por uma forma particular chega ao estado de puro ser. Da força de sentir aquele puro ser em tudo vem a mais elevada devoção que vai além de todas as forma. Note-se que, o Maharshi primeiro explica karma, mantra e bhakti yogas como a base para jnana que é ensinado depois.

Residir no Coração, a Essência de Todos os Yogas
10. Quando a mente atinge a sua compostura na sua residência dentro do coração, isto é, certamente, a essência de karma, bhakti e jnana.

Este verso explica a essência de todas as práticas yoguicas descritas nos versos anteriores que é saber a origem da mente dentro do coração. Apesar de usarem meios diferentes a sua meta é a mesma. Após isto, Ramana foca sobre como residir no coração, que tem, sobretudo, dois métodos de yoga (controlo do prana) e jnana (controlo da mente), já que, o coração é a fonte tanto da mente como do prana.

Pranayama
11. Controlando a respiração, a mente pára assim como um pássaro numa rede. O controlo da respiração é o meio para controlar a mente.

A mente pode ser controlada através do controlo do prana. Esta é a base de yoga sadhana que a prática de pranayama. Em geral, apenas raros aspirantes avançado conseguem controlar a mente diretamente. Para a maior parte dos praticantes o uso do prana para controlar a mente é uma grande ajuda. Sem a rede do prana, o pássaro da mente é quase impossível de apanhar.
Ramana afirmou que se uma pessoa não está na companhia de um grande professor ou sadhu, o pranayama é o melhor método de ganhar poder e energia na sua prática. Não deve ser ignorado por nós no Ocidente que não temos tais companhias ou circunstâncias para nos inspirarem. O pranayama purifica o corpo e energiza a mente para a meditação. Ajuda-nos a controlar os sentidos indisciplinados que direcionam a mente para fora para envolvimentos exteriores.

União da Mente e Prana
12. A mente e o prana estão imbuídos com conhecimento e ação. São dois ramos cuja raíz é um poder comum.

A mente é o poder de conhecimento e prana é o poder de ação. São como duas as duas asas de um pássaro. Conhecimento implica ação e ação requere conhecimento. A mente tem a sua energia e o prana a sua inteligência. Ambos têm um poder comum po detrás deles que é o do Ser. Uma pessoa pode controlar ambos indo à sua energia raíz, o poder da consciência.

Controlo da Mente
13. União e dissolução são os dois tipos de controlo da mente. A mente que é unificada voltará de novo. A mente dissolvida está morta.

14. Através do controlo do prana, a mente é unificada. Da meditação no Um, a mente é dissolvida.

15. O yogui superior possui uma mente dissolvida. Que dever mais pode ele ter, aquele que reside na sua própria natureza?

O controlo da respiração, temporariamente, suspende a mente. O auto-conhecimento dissolve a mente permanentemente. Portanto, por mais útil que uma ferramenta como o controlo da respiração seja, sem avançar para o controlo direto da mente o objetivo de dissolver a mente não pode ser atingido. Desta forma, uma pessoa deve usar pranayama como um meio para controlar a mente e não parar aí, como o objetivo. O yogui mais elevado vai além disso.

Pratyahara: Controlo dos Sentidos
16. A mente dissolvida no Ser repele toda a objetividade. A visão da pura consciência é a visão da verdade.

A chave para dissolver a mente é a pessoa desviar a atenção de toda a objetividade. Isto é a prática de pratyahara ou controlo da mente que se dirige para o exterior e dos sentidos. Relaciona o controlo do prana com controlo da mente. O próprio Ramana praticava pratyahara total, simulando a experiência da morte, e recolhendo todo o seu prana no coração, quando teve a sua realização sendo ainda um jovem de dezasseis anos. Sem a recolha da atividade sensorial e apegos externos, a prática de auto-questionamento é como recolher água num recipiente com buracos. Portanto, deve-se praticar pratyahara como a base do auto-questionamento. Tendo explicado o controlo da mente em termos gerais, Ramana foca agora nos métodos específicos de auto-questionamento que se debruçam sobre isso.

O Caminho Direto
17. Qual é a natureza da mente? Quando a procura termina, não há mente. Este é o caminho direto.

Quando se consegue pratyahara e a abstração do mundo é atingida, uma pessoa pode olhar diretamente para a natureza da mente. Sem o suporte de qualquer objeto externo do qual dependa, a própria mente desaparece. Este é o caminho direto para o qual o qual uma pessoa tem de manter a mente no coração. Se procurarmos a mente não a vamos encontrar porque a própria mente é uma forma de busca externa que a introversão remove. A primeira etapa do caminho direto é olhar a natureza da mente.

Auto-questionamento
18. Todas as atividades mentais estão enraizadas na noção-de-eu. A mente é os seus pensamentos. Saiba que o ego é a mente.

19. Meditando em “de onde vem este eu?” o ego desmorona-se. Isto é auto-questionamento.

20. Quando o ego é destruído, o puro eu, o coração, abre-se por si mesmo como a suprema plenitude de ser.

Estes três versos explicam a prática de auto-questionamento que envolve rastrear o pensamento “eu” até à sua origem no coração. Ao voltar de novo a mente e o ego ao coração, uma pessoa descobre o ser infinito como a sua real consciência. Este é o ensinamento mais característico de Ramana e o principal caminho de jnana yoga.

Sono Profundo
21. Este coração é conhecido pela palavra “eu” na nossa experiência diária. Até mesmo quando o ego é esquecido no sono profundo, ele continua como o seu ser base.

Outro método de auto-questionamento é rastrear a nossa consciência-vigília de volta à consciência que persiste mesmo durante o sono profundo quando a mente é posta em descanso. Aquele “eu” do sono profundo é o Ser real, enquanto que o ego-acordado é uma ilusão. Assim que uma pessoa tenha aprendido o questionamento sobre o Ser no estado de vigília terá de o continuar durante o sonho e o sono profundo para que ele seja realmente eficaz.

Discriminação Entre Aquele Que Vê e O Que É Visto
22. Eu não sou o corpo, os sentidos, o prana, o intelecto ou a ignorância por detrás deles. Eu sou o Ser Uno. Aquele que é dependente é não-Ser.

Todavia, um outro método é discriminar entre aquele que vê e o que é visto (drig drishya viveka). Isto é feito em todos os níveis do nosso ser. Temos de aprender a diferenciar o nosso verdadeiro Ser, subjectividade e senciência dos nossos vários corpos, veículos ou instrumentos que dependem dele. Esta prática começa como corpo físico que é um instrumento de ação, aos sentidos, que são instrumentos de conhecimento, ao prana, que é o poder de ação, e à mente que é o poder de conhecer. O Ser do qual estes dependem é diferente e reside no coração por detrás de todos estes instrumentos.
Temos de praticar o auto-questionamento não apenas num nível conceptual mas nas nossas atividades físicas, sensoriais e pranicas, assim como, em todas as camadas da mente até ao seu núcleo. O questionamento sobre o Ser não é apenas rastrear a raíz do pensamento até ao coração mas à raíz da nossa existência inteira.

Pura Consciência
23. Como o iluminador do Ser como pode a Consciência ser diferente dele? A Consciência existe como Ser. Essa consciência sou eu.

Outro método é ver o ser como consciência e consciência como eu ou pura subjectividade. Assim que nós tenhamos regressado aquele Ser Uno passamos a percebê-lo como pura consciência e o verdadeiro Ser.

Fundir Deus e a Alma no Ser Supremo
24. Deus e a alma são distintos pela suas vestimentas. A natureza de Si-mesmos como puro ser é a realidade suprema.

25. Eliminando as vestimentas na percepção da natureza de Si-mesmo, a visão de Deus toma a forma do Ser.

Deus e alma são os dois fatores derradeiros do universo, que é o seu campo de ação. Diferenciam-se pelas suas vestimentas- Deus tem uma toda poderosa mente e prana. A alma tem uma mente e prana limitados. Porém, a sua natureza de Si-mesmos comum une-os na realidade suprema. O caminho para unir Deus e a alma individual é negar os seus nomes e formas e reconhecer o Ser e a Consciência comuns por detrás de ambos. Uma pessoa apenas pode conhecer verdadeiramente Deus como o seu Ser. Em caso contrário, o conhecimento de Deus é indireto e não-real. Este método inclui e une tanto jnana como bhakti.

Permanência no Ser
26. A condição do Ser é a perceção do Ser. A partir da natureza não-dual do Ser há permanência no Ser.

Ver é ser. Ver o Eu é ser o Eu. Ser o Eu é ver o Eu. Meditar na unidade de ser e ver é uma outra aproximação importante. Na verdade, não há aproximação porque o Ser, simplesmente, é o que é.

Para Além do Conhecido
27. Consciência desprovida de conhecimento e não-conhecimento é o conhecimento verdadeiro. Que mais há para saber?

Outro método é meditar em “O que é o conhecimento?” O conhecimento verdadeiro é desprovido de qualquer objeto a ser conhecido. É sabedoria auto-luminescente e auto-consciente. Isto não é apenas um salto teorético mas uma revolução no âmago da consciência.

Plenitude Absoluta
28. Qual é a natureza do Ser? Na perceção do Ser está a imutável, não-nascida consciência plena absoluta.

29. A suprema plenitude além do aprisionamento e libertação, quem a atinge aqui é uma alma Divina.

Outro método é inquirir sobre qual a é, verdadeiramente, a natureza de Si-mesmo de todas as coisas. O ser não pode ser algo limitado pela objetividade, tempo, espaço ou causa. É não-corpo e não-coisa.
A alma torna-se Divina ao atingir aquele estado além do aprisionamento e libertação. Esta é a suprema meta da prática que está para além de todas as metas. Atingi-la é uma oferta Divina e resulta de todas as práticas iniciadas nos versos anteriores. Esta plenitude é a nossa origem e término, como as Upanishads afirmam.

O Ensinamento de Ramana
30. A própria consciência de uma pessoa livre de ego, este é o grande tapas e a Palavra de Ramana.

Esta pura consciência para além do ser separado é o conhecimento mais elevado. Mas não é conceptual. É como um grande fogo. É o tapas ou a prática ascética que Ramana provou nas suas ações diárias. Ramana não falou, meramente, sobre a auto-realização ou ensinou-a como uma mera teoria, fantasia ou emoção. Ele viveu-a, ao ponto de deixar o seu corpo ser picado por formigas e mosquitos enquanto estava em samadhi. Aquele que querem atingir este estado têm de ter o tapas necessário para o fazer surgir ou estarão apenas a criar pensamentos otimistas exagerados. Muitos anos de tapas são, geralmente, necessários para atingir o objetivo.
Este ensinamento é, também, a Palavra Divina de Ramana. Proveio da Palavra Divina no coração e não é o produto do pensamento humano ou do ego de alguém, nem mesmo de Ramana. É muito fácil ler tais ensinamentos e não é difícil entendê-los através da lógica. Uma pessoa pode usá-los para criar um estado mental ou emocional elevados. Mas a sua verdadeira realização é um assunto diferente e inteiramente além das nossas limitações humanas. Para atingir isso precisamos dedicar-mo-nos a essa tarefa em tudo o que fazemos e em tudo o que somos.

Retirado de www.vedanet.com, também disponível numa versão mais antiga publicada no livro "Vedantic Meditation: Lighting the Flame of Awareness", e traduzido do Inglês por Gustavo Cunha para www.YogaVaidika.com com a permissão do autor (David Frawley). Copyright © 2000 por David Frawley. Todos os Direitos Reservados. Este material não pode ser reproduzido em nenhuma forma ou vendido sem permissão escrita prévia do autor. Imagem de topo Wikipedia, usada sob licença Creative Commons.

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