A Busca - Gustavo Cunha


No âmbito da minha avaliação para o grau de Licenciatura em Ciências da Comunicação: Jornalismo, na Universidade do Porto, elaborei um documentário filmatográfico denominado "A Busca", feito principalmente à base de entrevistas a guias espirituais, nomeadamente, Balkrishna (budista e doutor de medicina tradicional chinesa) e Edna Mendes (professora de Yoga) que pretende responder a uma pergunta simples "Quem sou eu?". Das entrevistas resultam as ideias de anos de experiência dos interlocutores e a resposta que satisfaz a questão inicial: "não diferente do outro, procuro o que já sou - pleno".

Introdução
Que o Homem se interroga há milénios sobre a sua real natureza e que inúmeras respostas estão disponíveis é uma verdade - assim o provam os mais antigos escritos da humanidade, as Upanishads[1] (textos provenientes da Índia sobre o Homem, o Universo e o Criador). Mas qual a verdadeira, suprema e inegável resposta? Qual é aquela que devolve ao Homem, independentemente da sua nacionalidade, género ou credo o seu sentimento de completude, de plenitude e satisfação, sendo assim transversal a todas as culturas, filosofias e religiões?

Este é o ponto de partida de "A Busca", um documentário baseado em entrevistas a dois líderes espirituais que atualmente se encontram a viver no Porto, que embora tenham uma exposição mediática limitada, são, esporadicamente, entrevistados para a televisão ou para a imprensa escrita.

Assim, decidi entrevistar o Dr. Balkrishna, que conheço há longa data, conhecido mestre budista - embora ele próprio jamais utilize os termos "mestre" e "doutor" como seus prefixos - quando, na realidade, assim é tido por aqueles que vêm nele uma sabedoria profunda. Professor de Medicinia Tradicional Chinesa é também o presidente da Associação Nacional de Acupuntura e diretor do Centro de Retiros Karuna (compaixão em Sânscrito) na Serra de Monchique, Algarve. Com uma vasta experiência em meditação, esteve em retiro espiritual de isolamento durante 3 anos, três meses e três dias, uma prática comum dos monges budistas.

Entrevistei também Edna Mendes, a minha primeira professora de Yoga e com quem trabalho regularmente. Praticante de Yoga há mais de 30 anos, quase metade da sua vida, vegetariana confessa, tem incontáveis horas de longas meditações no seu assento. Formou e ensinou centenas, senão milhares de atuais professores e é vista como um "farol" por muitos que vêem nela uma mestra, uma mulher de coração aberto para amar e retribuir com carinho às inquietações dos que buscam respostas para os seus problemas na vida.

As entrevistas tiveram lugar nos seus espaços de atendimento. No caso de Balkrishna, a entrevista teve lugar no centro Pazpazes - Organismo Multidisciplinar de Cooperação, Formação e Desenvolvimento Humano, sediado na Rua Antero de Quental 155, Porto. O website do centro é www.pazpazes.blogspot.com. No caso de Edna Mendes, a entrevista teve lugar na sua escola, a Escola de Yoga Antigo, sita na Rua de Santa Catarina, 310, 3º Esq. O website da escola é www.escoladeyoga.com.

Descrição
Intrínseco ao Homem está a vontade de descobrir - descobrir o mundo e o ambiente que o rodeia, mas também o mais profundo do seu ser. Fundamentalmente, poder-se-ia dizer que o Homem deseja descobrir-se de uma forma total, ambiciona o autoconhecimento completo, verdadeiro e final. Deseja, secretamente, o encontro com Deus, "ver o seu rosto" e entender o desconhecido. Menos que isso é uma derrota, uma inquietude silenciosa que, lentamente, conduz ao sofrimento e à sensação de limitação, mortalidade, carência. O apelo para a busca (de si) nasce do seu ímpeto natural para se sentir completo e pleno o tempo todo, e, à partida, isso é algo que lhe escapa - por ignorância da sua própria real natureza.

As entrevistas começaram com um preâmbulo que serviu para colocar o entrevistado (e o entrevistador) mais à vontade com o tema, como o relato da história pessoal de cada um nos caminhos da espiritualidade. Criou-se assim, um clima de conversa franca e aberta. Após este período, as perguntas recaíram sobre o tema do trabalho propriamente dito: "Quem sou eu?", "O que procuro?", "Quem é Deus?", "Quem é o iluminado?".

Estas perguntas seguem o roteiro do documentário e da proposta: identificar a busca básica de qualquer ser humano, o desejo de se conhecer a si mesmo e as "armadilhas" ao longo do caminho. Das respostas obtidas, foram selecionadas as frases mais marcantes e que transmitem a ideia que levou à realização deste trabalho. Das entrevistas resultou uma cassete digital, em bruto, com aproximadamente 25 minutos de filme.

Sendo que a busca por segurança e conforto (ou prazer) são naturais ao ser humano, a sua procura essencial não se completa aí, se assim fosse, não existiria a necessidade deste trabalho nem a existência de tantas escolas de pensamento, ao longo da história. Deus, Buda, Alá, Tao ou mesmo a Ciência, para alguns, são os guias em quem muitas pessoas colocam a sua fé e "epicentro" da sua busca espiritual. Diferente da busca comum, o caminho espiritual, da compreensão do mais elevado Ser, apela ao recolhimento no interior de cada um, de volta à essência fundamental. Nesse estado meditativo ou contemplativo, dá-se a descoberta do que já é, do que sempre foi e será constante - a Consciência de cariz universal e intimista. Bal Krishna refere na sua primeira intervenção: "Descobrir a profunda natureza de nós próprios é descobrir aquilo que estamos sempre à procura".

O reconhecimento de uma certa Ordem por detrás do caos aparente e a transcendência a uma visão humanista, livre de dogmas ou preconceitos, concluí o caminho do buscador e inicia o caminho do realizado, o iluminado. É nesse sentido que, na sua intervenção, a professora Edna Mendes afirma: "Um ser iluminado é aquele que compreende o outro, que aceita aquilo que vem, com o coração... indiferente de ser uma coisa boa ou menos boa (...) quando você percebe isso, isso é samadhi [iluminação]".

Com essa resposta final, o trabalho conclui-se. Ao longo do documentário, as respostas e postura dos entrevistados, juntamente com o momento de meditação silenciosa que Bal Krishna concedeu são os elementos que veiculam a mensagem de "A Busca" - a descoberta de si mesmo no recolhimento interior e na aceitação relativamente ao mundo exterior.

Resultados
O material selecionado para o documentário capta as ideias principais dos entrevistados que possuem cerca de meio século de estudo e experiência em meditação, Yoga e reflexão sobre o tema "Quem sou eu?", "De onde vim?", "Para onde vou?", Qual a minha missão?" e "Qual o sentido da vida?". Sendo universais e não contrárias ao senso comum nem aos ensinamentos das correntes espirituais dominantes no ocidente, percebe-se no documentário que a meta final do ser humano consiste em encontrar a verdade no seu interior, no seu coração, num processo individual de aprendizagem em comunidade, enfrentando as situações da vida com o pleno conhecimento de si para melhor aceitar e compreender as situações de uma forma objetiva e, igualmente, o outro.

Análise
Da conversa com os entrevistados resulta a noção de que o caminho espiritual diferencia-se das buscas materiais, no sentido em que o foco da vida ao invés de ser colocado nos objetos externos, nas sensações provenientes dos sentidos e dos desejos transitórios da mente passa a recair num contentamento interior após uma descoberta de si mesmo como pleno e aceitável, pronto para acolher e libertar o outro e as situações, na devida altura.

Para lá de tudo o que nos separa há algo que nos une (ao próximo, ao universo em geral e ao Todo). Essa união, e, ao mesmo tempo, visão e cultura, é denominada em Sânscrito de Yoga, uma palavra que surge da raiz yuj - unir, juntar, religar, entre outros. Em meditação, dizem-nos os sábios, é possível perceber esse estado de Ser. Após essa visão, a atuação no mundo muda. Muda no sentido de a realização/iluminação trazer o dever de ajudar o próximo, pois o próximo também sou Eu. Esse é o ensinamento do coração, aquele que Edna Mendes fala, dito de outra forma, a meditação que conduz à realização, ou compreensão de si, implica na ação voluntariosa para com o outro, livre do desejo de retribuição.

Conclusões
Sabemos que esta mensagem de tolerância e acomodação, em si, é muito antiga; está documentada nas Upanishads dos Vedas[2], na Bíblia[3], no Alcorão[4], no Adi Granth[5] dos Sikhs e noutros textos. Desde tempos imemoriais, vem sendo passada à geração seguinte num sucessivo divulgar sobre a verdade acerca da identidade mais profunda e real do sujeito: a não diferença entre: eu e o outro, eu e o mundo, eu e a Consciência - a igualdade do sujeito com o outro e com o Todo. Nos Vedas está a noção, repetida por Swami Shivananada, reconhecido mestre de Yoga do século passado, sobre a igualdade entre o sujeito e o Todo: "Jiva Brahma Aikyam"[6]. O papel daquele que "vê" esta realidade passa a ser o de ajudar os outros sempre que necessário - pois o outro sou eu - e continuar vivendo e desempenhando as suas funções de acordo com as suas preferências que não ponham em causa o ensinamento sobre a Ordem, a serenidade, a paz percebida no autoestudo, na meditação ou num momento de epifania. Este conhecimento não tem fronteiras e serve a Humanidade em geral.

Após a realização, a busca do indivíduo, nascida da inquietação provocada pela ignorância da verdade existencial, acompanhada pelo desejo da plenitude, termina; e termina, precisamente, onde começou - em Si, no contacto directo com a grandeza da vida e no inexplicável mistério da Criação O círculo fecha-se. A resposta está dada. Agora torna-se possível relaxar, aceitar e seguir em frente com o espírito renovado e uma visão alargada e madura.

Notas e Referências
1 - Amrita Bindu Upanishad, verso 22, tradução de João Gonçalves, www.yogavaidika.com/2009/05/amrita-bindu-upanishad-joao-c-goncalves.html.
2 - Advayataraka Upanishad, Shukla Yajur Veda, tradução de Carlos Alberto Tinoco, verso 5, www.parapsicologia-rj.com.br/tinoco/advayataraka_upanishad/advayataraka_upanishad.htm.
3 - Novo Testamento, O Evangelho segundo São Mateus 22:39, www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=Mt_22.
4 - Al-Qur'an, A Contemporary Translation by Mohamed Ali, Princeton University Press, 9ª edição, 2001, ISBN 0 -691-07499-1, "Cultivate tolerance, enjoin justice. 200.", página 152.
5 - The Adi Granth , Dr. Ernest Trumpt, Munshiram Manoharlal Publishers, texto 1, página 1.
6 - 10 Upanishads, A Divine Life Society Publication, 10ª edição, 2001, ISBN 81-7052-097-5, página 11.

Outras referências:
As Upanishads e o autoconhecimento, Swami Dayananda, tradução de Glória Arieira, 1998, Vidya Mandir.


Imagem de topo propriedade de Himalayan Academy, usada sob licença Creative Commons.

Mensagens populares