Guia de Meditação - Stephen Cope

Assuma o controle das suas intenções.

Porque é que, às vezes, é tão difícil sermos fiéis aos nossos melhores propósitos? Iremos explicar isso e também ensinar-lhe a não se deixar arrastar por impulsos não desejados.

Há uns anos atrás, enquanto ensinava num seminário de filosofia do Yoga, o aroma a pastéis acabados de fazer na padaria ao lado envolveu-me. “Pastéis...”, pensei vagamente. A meio da manhã, durante o intervalo, iria comer um. Durante os três meses anteriores, eu estava a seguir uma dieta que não incluía farinhas nem açúcares. Os pastéis são feitos com esses dois ingredientes. Quando é que decidi acabar com a minha dieta? Em que preciso momento? Teria já deixado de me importar? Os pastéis tinham-me superado? Os meus desejos e aversões teriam-me superado? Nós temos livre-arbítrio, ou não?

Os yogis adotam estes momentos de adversidade – e as questões sobre a vontade, poder e escolha - como objeto central do seu escrutínio meditativo. Estão ligados a ele. Afinal, estas dialéticas entre desejos e medos parecem ser parte da experiência humana universal. O mal que deveria evitar, não evito; o bem que teria de fazer, não faço. Estes momentos de autosabotagem por forças “desconhecidas” parecem ser fortes barreiras à felicidade.

AVALIAÇÃO, IMPULSO, AÇÃO
A primeira resposta dos antigos yogis, que se dedicaram, à investigação da verdade, foi, como sempre: “Pare o mundo! Relaxe, investigue, olhe de perto.” No Yoga Sutra, Patanjali recomenda observar esses estados de aflição tão de perto que fiquem completamente expostos às vontades ocultas que produzem. No sutra 2.10 diz: “Nas suas formas sutis, estas causas do sofrimento desaparecem ao investigar de onde provêm.” Assim os yoguis investigaram. Observaram cuidadosamente a sequência de acontecimentos que conduzia a esses estados densos de desejos e aversões. Viram como surgem na corrente da consciência, e como influenciam o comportamento. Isto é o que Patanjali e os seus seguidores descobriram:

1. A consciência (ou citta) é constantemente bombardeada pelo impulso das chamadas portas dos seis sentidos.

O que significa isso? Bom, comecemos com citta. O significado de consciência de Patanjali é bem diferente do nosso. Temos a tendência a separar o corpo da mente, e a pensar que a consciência tem mais a haver com a mente. Patanjali não. As investigações yoguicas descobriram que a consciência inclui tanto a mente como o corpo. Assim, a citta de Patanjali inclui todas as camadas da experiência humana, todos os koshas: o corpo físico, o corpo energético, os corpos mentais...
E o que queriam dizer os yoguis com "portas dos seis sentidos"? Estas portas incluem os cinco sentidos que todos conhecemos: paladar, tato, olfato, visão e audição. A consciência é bombardeada pelas sensações que provêm destes sentidos (o aroma do pastel, as paisagens bonitas, os sons desagradáveis, o toque doloroso, os sabores aprazíveis). Porém, entre esses impactos também aparece um sexto chamado "pensamentos" (incluem pensamentos, recordações e sensações).

2. O que os yoguis descobriram de seguida foi surpreendente (e completamente suportado pela neurociência contemporânea). Numa sequência tão rápida como um tiro, a consciência avalia cada um desses impactos sensoriais. Cada um é "reconhecido" em primeiro lugar e, em seguida, "avaliado" como agradável, desagradável ou neutro. E age de acordo com essa sensação.

3. A consciência reage a cada avaliação com um impulso de atração ou aversão (ou neutralidade). Perante um estímulo que avalia como desagradável, a consciência reage com aversão. A um estímulo que valoriza como agradável, reage com desejo. E a um estímulo que valoriza como neutro, com neutralidade. “Este desconforto no meu quadril é muito desagradável, eu odeio isto.” Surge a aversão. “Ó, esta vista para o lago é linda. Adoro!” Surge o desejo.

4. O último elo desta sequência aparece: a ação. No caso da aversão, rejeitamos o objeto: inconscientemente, desloco-me na esperança de aliviar a sensação (desagradável!) no meu quadril pela qual sinto aversão. No caso do desejo, buscamos o objecto. Paro o carro para desfrutar melhor a vista sobre o lago (agradável!) pelo qual me sinto atraído. Faço o possível para satisfazer o meu desejo.

PRESOS A ESTA SEQUÊNCIA
Avaliação. Impulso. Ação. Este mesmo padrão acontece milhares de vezes por dia, sem que reparemos nele. É algo mecânico que fazemos sem pensar. No entanto, a prática de meditação traz consciência a esse processo. Quando a mente se concentra mais, os acontecimentos sutis que dantes escapavam à nossa percepção são melhor identificados. O meu momento de "fraqueza" seguiu precisamente a sequência de acontecimentos descrita pelos yogis: avaliação, impulso, ação. Um objeto entrou, de repente, em contacto com a porta dos meus sentidos: Pastéis! Imediatamente tive uma sensação na minha consciência. E, a partir dessa sensação, uma reação. Gosto! Esta reação tornou-se imediatamente num impulso para a ação, toda a minha energia foi dirigida em direção ao objeto. Teria de o ter, formou-se um pensamento como consequência da reação: "Quero-o". E, por último, a acção. De repente, estava na padaria a comer um pastel e vi que tinha mais à minha espera. Nham-nham!

Sim, mas quais seriam as consequências? Será que eu realmente queria o pastel? Podia passar sem ele? Foi uma decisão ponderada? Os yoguis descobriram que essa sequência de acontecimentos - avaliação, impulso, ação - acontece nas nossas vidas mais do que gostaríamos. Também descobriram que, embora os resultados satisfaçam os nossos desejos imediatos, muitas vezes levam ao sofrimento, já que, devido a essa imediatez realizamos escolhas erradas quando inconscientemente nos encontramos presos nas suas redes. Ou, até mesmo, não fazemos nenhuma escolha.

O CONTROLE DO IMPULSO
Os yogis estudaram a intensidade dessa sequência pensamento/reação/ação. Haveria alguma estratégia que pudesse interrompê-la com sucesso? Poderia assim desaparecer o sofrimento? Voltaram, uma e outra vez, aos seus laboratórios de meditação na busca de uma chave. E descobriram que se pode intervir na sequência. Embora a avaliação seja uma resposta vinculada à estimulação dos sentidos, o impulso de aproximar-se ou afastar-se do objeto não é inevitável.

O impulso pode ser separado da avaliação. E a acção também pode ser desvinculada do impulso. Naturalmente, os novatos concentram-se mais em dissociar a ação do impulso. Trata-se de reconhecer, e controlar, a experiência do impulso sem atuar. Ou seja, sentir o impulso em direção aos pastéis sem os comer. Os meditadores mais avançados podem desvincular o impulso da avaliação, estando conscientes antes; quando o impulso surge e silenciar a sua intensidade.
É importante compreender a essência da descoberta: é possível experienciar dor e prazer sem ser arrastado inconscientemente por eles.
Se for consciente dos seus impulsos, aceitar e analisar onde poderão levá-lo, pode controlar e decidir sobre as suas ações e para evitar o arrependimento.
Quando a consciência se interessa na experiência visceral e bioquímica da atração e aversão pode quebrar a sequência. Aqui reside a estratégia brilhante descoberta pelos yoguis: a liberdade vem da familiaridade com a sequência de acontecimentos. Isto, obviamente, exige um treino cuidadoso da atenção. E este treino é precisamente a função da meditação.
O conselho de Patanjali? Aprender a estar presente na experiência. Convidamos à experiência.

O RESGATE
Está preso. Encontra-se submerso num profundo estado de desejo ou aversão que o arrasta rapidamente para um comportamento compulsivo ou inconsciente. Esta é uma técnica simples para eliminar essa autosabotagem:
- Assim que perceber que está a arrastado, pare um momento. Sente-se nalgum lugar onde saiba que não o irão requisitar por alguns minutos. Agora feche os olhos. Respire profundamente, inalando através das narinas, e expirando suavemente através pela boca enquanto solta um som audível: "Ahhhhh". Com os olhos ainda fechados, conscientemente relaxe a barriga. Agora relaxe todos os músculos do rosto. Relaxe as bochechas, testa e os músculos ao redor dos olhos.
- Logo que começar a relaxar, verifique sistematicamente todo o seu corpo com a consciência. Que sensações e sentimentos percebe? Investigue essas sensações quando as descobrir com a consciência (sem pensamentos sobre as sensações, apenas as sensações). Perceba precisamente como o corpo sente o desejo ou a aversão.
- Tente criar um espaço para que o possa encontrar dentro. Deixe tudo ser como é. Diga: "Não há parte desta sensação, desta experiência, que precise suprimir. Pode fazer-me companhia. Forma parte de mim. Aceito-a como ela é". Se usar esta técnica durante algum tempo, algo importante vai acontecer. Provavelmente, irá descobrir que as sensações que ao princípio pareciam confusas passam a ter um pouco mais de espaço ao redor delas. Espaço para respirar! Poderá até encontrar uns agradáveis movimentos e mudanças internas, uma sensação de iluminação, ou aparecimento espontâneo de considerações sobre a causa dos sentimentos e sensações.
Com a repetição, em breve irá usar esta prática espontaneamente e poderá romper com a sequência de avaliação, impulso, ação. Irá ser mais objetivo. Vai reconhecer o impulso antes que se converta em ação, ou a sensação antes que se converta em impluso, ou um pensamento antes que se converta em uma sensação.

Este artigo foi publicado na Revista Yoga Journal Espanha número 8 (ano 2006) e traduzido para português por Gustavo Cunha.

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