Vṛkṣāsana - Ricardo Alarcão

Quando aquilo que faço habitualmente se insinua como constituinte da minha personalidade, por diversas razões, e naturalmente porque resulta talvez em prestígio no meio em que me movimento, suposta segurança económica ou simplesmente emoções fortes, tendo a passar tudo o que me surge de novo por esse crivo. Se sei como erguer uma casa então o que aprendo no Yoga irá penar a tradução, leia-se traição pelo uso que faço dos conceitos dessa profissão, a modelar o que esta prática milenar ensina acerca do que é uma causa ou conceito inicial e a sua manifestação ou passagem à existência – a velha dicotomia entre mente e corpo.

No entanto, se considerar que o conhecimento com valor universal proposto na visão do Yoga e sua congénere Sāṃkhya parece melhor exprimido pelas práticas próprias destas disciplinas então devo recuar um pouco antes de sobrepor o que lhe é superveniente e deixar que esse conhecimento validado na tradição se exprima pelos próprios meios. É aqui que devo também fazer uma pausa para refletir acerca da forma como o conhecimento pode ser difundido para que não fique tudo, como em certas posturas no Yoga, de pernas para o ar!

A imagem é a de uma árvore de raízes profundas e cujos ramos e folhagem devem obedecer a regras próprias ou naturais do crescimento. As raízes de uma figueira – Fícus benghalensis árvore nacional da Índia, por exemplo, são infestantes e o crescimento da árvore impressiona pela amplitude que pode atingir, valendo por isso como símbolo do conhecimento da verdade perene.

Proponho ao que há de paciente ou curioso no leitor experienciar a postura da árvore, Vṛkṣāsana, para clarificar alguma confusão quanto à forma de veicular verdades universais ou, simplesmente para sua recriação nesta forma de pensar através do exercício físico.

Saber tornar o pousar dos pés preênsil no chão para construir ou enraizar uma base estável é um bom começo. Devo ser objetivo e fazer a comparação efetiva sem me precipitar sobre aquilo que está acima ou abaixo em termos de credibilidade. Os Vedas usam imagens e técnicas da arquitetura como prisma para introduzir meios do autoconhecimento, pela articulação possível entre o conceito que origina os espaços criados e a sua edificação, ou seja, como metáfora da causa inicial, a criação. Será que também podia dizer o mesmo de um modelo de carro novo? Ou se, alguma nova técnicas de exercício físico pode servir como meio para atingir o autoconhecimento almejado? Isto provoca estranheza? E ainda assim, qual será o significado do uso da imagem, como aqui, de uma figueira sim, mas invertida, como símbolo do conhecimento da verdade tal como nos é transmitida na Bhagavad Guita (10.26)?

Passo seguinte: estabilizar a respiração e, na próxima inspiração, erguer um pé, deslizando-o em direção ao períneo e apoiado na perna que permanece como raiz, rodando o joelho dessa perna erguida como se pudesse encosta-lo a uma parede que me servisse de apoio. A imagem própria do provisório, da mutação. Agora o esforço aumenta para permanecer na procura. O objetivo geral do autoconhecimento tem de ser trazido à superfície, com um olhar fixo, um dṛṣti, dirigido a um ponto único, e a escolha pode recair sobre a ponta do nariz, quem o tenha, ou o que seja adequado para a indagação que segue. Como quem sabe desde logo a resposta.

Centrados no objetivo geral, procuramos agora o específico: A tradição mais antiga tem precedência sobre novos conhecimentos ou, a verdade transparece independente dos dispositivos e da sua evolução natural?

Finalmente juntam-se as palmas das mãos e, na próxima inspiração, subimos os braços. Admitimos assim uma convenção que se sobrepõe à lei natural, e permanecemos nesta postura improvável em função da duração do interesse provocado pela experiência que vai surgindo nos diversos planos, o físico com a perna que treme, dos sentimentos com a respiração clavicular defensiva, e dos pensamentos que se fundem no manter da postura. Reparo também que a atenção transita para o centro de gravidade, a meio da caixa torácica, e a imagem mental do resto do corpo torna-se indistinta.

A insegurança dissolve-se à medida que se estabelece a concentração e a postura é treinada de forma continuada, numa e noutra perna. É uma postura que se vai tornando natural, ou não fosse o corpo, leia-se o mundo, moldável e mutável de acordo com a vontade. Imagino que para aqueles que usam quatro também andar em duas pernas pode parecer forçado… Em resumo, e ainda que com certo pressentimento de que podem estar omissos elos de raciocínio, parece haver uma possibilidade de inferir que quando acompanhada de uma intenção impoluta ou objetivo claro e de uma atenção dirigida ou disciplina mental, quaisquer posturas adotadas ou seja, formas de tradição, são adequadas para nos direcionarmos ao imutável, recordando um cerne em equilíbrio. As analogias que as posturas permitem entre a totalidade da existência e uma sua pequena parcela, a unidade do corpo físico como dispositivo para a vida, valem provisoriamente de substituição para excessiva atividade mental sem recurso a matéria de fato, e por isso a confiança na ação hábil que distingue o Yoga.

Vejo também que a raiz ou sustento da postura se desloca do pé para a região superior do corpo, pelo recurso ao direcionamento da atenção e, por isso, presumo também que é legítimo olhar para esta representação de árvore como que a crescer desde cima, enraizada na região etérea, que atribuímos à consciência. Se considerarmos esta como sendo a nossa essência parece válido usar atividades, tais como a dança ou a arquitetura, ou especulações, na área da linguística, da mente ou da ação, exclusivamente como instrumentos usados para atingir a maturidade. Por outro lado, o esquecimento desta intenção, ou seja, uma modernidade que se pretenda afirmar, parece provocar primeiramente o desequilíbrio, por ser insuficiente o uso de meros mecanismos para permanecer na postura que escolhemos.

Namaste

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